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Fuga sobre a morte

Paul Celan, filho de judeus de língua alemã, enaltecido como um dos maiores poetas do pós guerra, carregou e registrou em sua obra a marca do terror nazista. A desolação pela perda dos pais, mortos em um campo de extermínio do qual fugiria, trouxe até nós um  texto denso, vigoroso e envolto em  silêncio e dôr.

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Mohn und Gedächtnis
(Ópio e Memória),
1952

Von Schwelle zu Schwelle
(De Limiar a Limiar),
 1955

Sprachgitter
(Prisão da Palavra),
1959

Die Niemandsrose
(A Rosa-de-Ninguém),
1963

Atemwende
(Mudança de Ar),
1967

Fadensonnen
(Sóis em Fios),
1968

Lichtzwang
(Pressão da Luz),
1970

Schneepart
(Neve Partida),
1971



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"Vivemos sob céus sombrios, e... são poucas as pessoas. É por isso que existem tão poucos poemas. As esperanças que ainda tenho não são grandes; tento conservar o que me restou."

§

"O poema é solitário. É solitário e andante. Quem o escreve, a ele fic a entregue."

§

"...o poema fala sempre somente em prol de si mesmo e de mais nada."

§

"O poema quer o Outro, precisa desse Outro, precisa de um parceiro. Ele o procura, adequa-se a ele.
Cada coisa, cada pessoa é um poema que se dirige ao Outro, figura desse Outro."

 

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Paul Celan (17 anos)
Paul Celan
Paul Celan
Paul Celan
Paul Celan
Paul Celan
Paul Celan

CANÇÃO DE UMA DAMA NA SOMBRA

 

Quando vem a taciturna e poda as tulipas:  
Quem sai ganhando?
 
                Quem perde?
                        Quem aparece na janela?  
Quem diz primeiro o nome dela?

É alguém que carrega meus cabelos.  
Carrega-os como quem carrega mortos nos braços.  
Carrega-os como o céu carregou meus cabelos no ano em 
                                                                        [que amei.
Carrega-os assim por vaidade.    

E ganha.
 
            E não perde.
                         E não aparece na janela.
 
E não diz o nome dela.    
É alguém que tem meus olhos.  
Tem-nos desde quando portas se fecham.  
Carrega-os no dedo, como anéis.  
Carrega-os como cacos de desejo e safira:  
era já meu irmão no outono;  
conta já os dias e noites.
 

E ganha.

             E não perde.
 
                  E não aparece na janela.    

E diz por último o nome dela.  
É alguém que tem o que eu disse.  
Carrega-o debaixo do braço como um embrulho.  
Carrega-o como o relógio a sua pior hora.  
Carrega-o de limiar a limiar, não o joga fora.  

E não ganha.
                    E perde.
                          
   E aparece na janela.  
E diz primeiro o nome dela.    

E é podado com as tulipas.  

(tradução: Claudia Cavalcanti )

  

CORONA

Da mão o outono me come sua folha: somos amigos.
Descascamos o tempo das nozes e o ensinamos a andar:  
o tempo retorna à casca.

No espelho é domingo,  
no sonho se dorme,  
a boca não mente.  

Meu olho desce ao sexo da amada:  
olhamo-nos,  
dizemo-nos o obscuro,  
amamo-nos como ópio e memória,  
dormimos como vinho nas conchas,  
como o mar no raio sangrento da lua.

Entrelaçados à janela, olham-nos da rua:  
já é tempo de saber!  
Tempo da pedra dispor-se a florescer,  
de um coração palpitar pelo inquieto,

É tempo do tempo ser.. É tempo.

(tradução: Flávio Klothe)

 

CRISTAL

Não procura nos meus lábios tua boca,
não diante da porta o forasteiro,
não no olho a lágrima.    

Sete noites acima caminha o vermelho ao vermelho,
sete corações abaixo bate a mão à porta,
sete rosas mais tarde rumoreja a fonte.

( tradução: Claudia Cavalcanti )

 

DO AZUL que ainda busca seu rosto, sou o primeiro a beber.  
Vejo e bebo de teu rastro:  
Deslizas pelos meus dedos, pérolas, e cresces!  
Cresces como todos os esquecidos  
Deslizas: o granizo negro da melancolia  

Cai num lenço, todo branco pelo aceno de despedida.
 

( tradução: Claudia Cavalcanti )

 

DISTÂNCIAS  

Olho no olho, no frio,  
deixa-nos também começar assim:  
juntos
deixa-nos respirar o véu  
que nos esconde um do outro,  
quando a noite se dispõe a medir  
o que ainda falta chegar  
de cada forma que ela toma  
para cada forma  
que ela a nós dois emprestou.  

( tradução: Claudia Cavalcanti )    

 

ERRÁTICO  

As noites se fixam  
sob teu olho. As sílabas re-  
colhidas pelos lábios — belo,  
silencioso círculo —  
ajudam a estrela rastejante  
em seu centro. A pedra,  
um dia perto da fronte, abre-se aqui:    
ante todos os  
espalhados  
sóis, alma,  
estavas, no éter.

( tradução: Claudia Cavalcanti )       

 

QUANDO ME ABANDONEI EM TI,  
eras pensamento,
  

algo  
murmura entre nós dois:
 
do mundo a primeira
 
das últimas
 
asas,

em mim cresce  
a pele sobre 
 
tempestuosa
 
boca,
  tu não chegas até ti.

( tradução: Claudia Cavalcanti )       

 

COMO TE EXTINGUES em mim:  

ainda no último  
e gasto
 
nó de ar
 
estás lá com uma
 
faísca
 
de vida.
  

( tradução: Claudia Cavalcanti )

 


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