O PoemaO Poema

Laura Riding

saber mais

Elegia Numa Teia de Aranha

Quando o Amor Vira Palavras
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Laura Riding é um dos nomes mais fascinantes e paradoxais da poesia contemporânea. Poucos autores levaram a tal extremo, e com tal coerência de propósitos, a poesia como forma máxima de conhecimento do mundo e de si (...).

Esteve na vanguarda do modernismo dos anos 20 e 30, seja como autora de poemas desafiadores ou como pensadora, narradora e crítica (...).

Poeta reflexiva e iconoclasta,. seus poemas articulam verdadeiras "cenas de linguagem" que investigam os paradoxos e o processo da consciência em seu estado mais alerta.
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Rodrigo Garcia Lopes,
Comentários extraídos do livro
Mindscapes - Poemas,
Editora Iluminuras, 2004.

 

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Selected Essays from
"Epilogue" 1935-1937
by Laura Riding and
Robert Graves, 2001

Anarchism Is Not Enough
by Laura Riding, 2001

Four Unposted Letters to Catherine
by Laura Riding

Lives of Wives
by Laura (Riding) Jackson

The Poems of Laura Riding
A Newly Revised Edition Of The 1938/1980

Progress of Stories
by Laura Riding

Rational Meaning
by Laura (Riding) Jackson
and Schuyler B. Jackson

Selected Poems in Five Sets
with selection and preface
by Laura (Riding) Jackson

A Selection of the Poems
of Laura Riding

A Survey Of Modernist Poetry
and A Pamphlet Against Anthologies

by Laura Riding and Robert Graves (in one volume)

The Word "Woman"
by Laura (Riding) Jackson

Anarchism Is Not Enough
by Laura Riding

no Brasil

Mindscapes - Poemas
Iluminuras - 2004

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"a destruição da poesia como uma tradição não destruirá a poesia em si"
§
"O pensamento é a ocasião da lnguagem"
§
"Quais as razões da poesia ─ as razões para escrever poemas, e para ler poemas? A resposta da física seria: uma compulsão tremenda de superar uma inércia tremenda"
§
"Ser crítica em relação à poesia a ponto de renunciá-la, obedecendo sua consciência, faz de você, nos quartéis onde os poetas têm poder hierárquico, alguém para ser mantida tão quieta quanto possível"

 

 

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Laura Riding, 1925
Laura Riding, em 1930. Foto de Ward Hutchinson
Laura Riding, em 1930. Foto de Ward Hutchinson
Laura Riding, 1991
Pintado por John Aldridge, 1933

ABRIR DE OLHOS

Pensamento dando para pensamento
Faz de alguém um olho.
Um é a mente cega-de-si,
O outro é pensamento ido
Para ser visto de longe e não sabido.
Assim se faz um universo brevemente.

A suposição imensa nada em círculos,
E cabeças ficam mais sábias
Enquanto notam a grandeza,
E a dimensão imbecil
Espaça a Natureza,

E ouvidos reportam primeiro os ecos,
Depois os sons, distinguem palavras
Cujos sentidos chegam por último ─
Vocabulários jorram das bocas
Como por encanto.
E assim falsos horizontes se ufanam em ser
Distância na cabeça
Que a cabeça concebe lá fora.

O maravilhar-se, que escapa dos olhos,
Regressa a cada lição.
O tudo, antes segredo,
Agora é o conhecível,
A vista da carne, a grandeza da mente.

Mas e quanto ao sigilo,
Pensamento individido, pensando
Um todo simples de ver?
Essa mente morre sempre instantaneamente
Ao prever em si, de repente demais,
A visão evidente demais,
Enquanto lábios sem boca se abrem
Mundamente atônitos para ensaiar
O verso simples e impronunciável
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tradução: Rodrigo Garcia Lopes

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UMA GENTILEZA

Estar viva é estar curiosa.
Quando perder interesse pelas coisas
E não estiver mais atenta, álacre
Por fatos, acabo este minguado inquérito.
A morte é a condição do supremo tédio.

Vou deixar que me desintegre
E aí, por saber da paz que a morte traz,
Seria bom seguir convencendo o destino
A ser mais generoso, estender, também,
O privilégio do tédio a todos vocês.


tradução: Rodrigo Garcia Lopes

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ORGULHO DA CABEÇA

Fosse encaixada em outra parte e não assim,
Girando em seu soquete privado e preciso
Como sol encaixado numa junta da montanha ...
Mas, aqui, inclinando e soprando em meu pescoço,
Sem precedente na natura
Nem nas belezas da arquitetura,
Esvoaçando meu cabelo como um campo de milho,
Semeada ao acaso num canto esquecido da colina,
Minha cabeça está no topo de mim
Onde vivo mais e a maior parte do tempo,
Onde minha face lança um olhar introspectivo
Para o que está fora de mim,
E encara o desafio de outras coisas
Com desdém, por ser o que é.

Deste lugar de honra, gema
Do continente maior e preguiçoso bem abaixo,
Eu, ídola da cabeça,
Uma autocrata sentada, cruzando minhas intenções,
Olho e me preocupo com o resto com bondade,
Despacho os riachos de sentido para baixo
Para que explorem a selvagem terra semidesperta,
Tremendo continente desta ilha mínima,

E a civilizem o melhor que possam.

tradução: Rodrigo Garcia Lopes

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QUASE

Obscuridade quase expressa
Que nunca foi ainda mas sempre
Era para ser a próxima e a próxima
Quando o lapso do ontem no amanhã
Devia ser arrumado pelo menos até já,
Pelo menos até já, até ontem ─
Caos quase reconquistado
No qual a verdade, como se uma vez mais,
Ainda não tivesse caído ou se erguido ─
O que há de novo? Qual é?
Você que nunca foi ainda
Ou eu que nunca sou até?

tradução: Rodrigo Garcia Lopes

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PARA UM QUASE AMIGO

Para trás!

Sou pedra.
.......Você tem de rasgar sua carne para escavar meu peito.

Sou tempestade.
.......Ninguém relaxa comigo.

Sou montanha.
.......Moureje até o topo, e vire um solitário.

Sou gelo.
.......Você tem que congelar para que eu derreta.

Sou mar.
.......Não vou devolver você.

Se isto o assusta,
Para trás! Para trás!

Ainda que, se você for meu amigo,
Não lhe serei nada disso.

tradução: Rodrigo Garcia Lopes

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SIM E NÃO


Através de um continente imaginário
Por não poder ser mais descoberto agora
Sobre este planeta totalmente apreendido ­
Sem considerar mais candidatos,
Ai de mim!

Um bicho izoológico andava,
Sem fado, sem fato,
Sua história pessoal intacta
Contra a paródia
De uma anatomia.

Nem visível nem invisível,
Removido pela noite sem dia,
Já terá fugido de sua terra
E da fantasia até a luz,
Até o espaço para repor
Seu falecer inescrevível?

Ah, os minutos piscam e despiscam,
Fechados e abertos vão e vêm,
Um por um, nenhum por nenhum,
O que sabemos, o que não sabemos.


tradução: Rodrigo Garcia Lopes

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TARDE

A febre da tarde
Se chama tarde,
Velho sono arrancado,
Cedo demais para ser noite,
Sem outro nome, pois não há nome
De tarde além da tarde.

o amor tenta falar mas soa
Tão perto em seu próprio ouvido.
Os tic-tacs escutam
O que os tic-tacs retrucam.
A febre preenche onde gargantas se mostram,
Mas nesses horrores nada tenta engolir
Enquanto a sede persegue a tarde
Até o rouco pôr-do-sol.

O entardecer surge com bocas
Quando a tarde pode falar.
A ceia e a cama começam e terminam
E o amor obscurece o pensar.
Mais tardes dividem a noite,
Novo sono arrancado,
Suspensão desperta entre sonho e sonho ­
Nunca soubemos quanto.
O sol se atrasa por horas de logo e logo ­
Então chega a febre veloz chamada dia.

Mas a febre lenta se chama tarde.


tradução: Rodrigo Garcia Lopes

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OS PROBLEMAS DE UM LIVRO

o problema de um livro é, primeiro, não ser
Pensamentos para ninguém
Eficará tão inescrito
Quanto permanecerá não lido
E construir um autor palavra por palavra
E ocupar sua cabeça
Até que a cabeça feche pra balanço
Para publicar a todos
Seu esvaziamento.

o segundo problema de um livro
É ficar desperto e pronto
À escuta como um dono de pousada
Querendo, não querendo hóspedes,
Indeciso entre a esperança de folga nenhuma
E a esperança de folga.
Vacilantes, as páginas cochilam
E piscam para os dedos que passam
Com sorriso proprietário, e fecham-se.

o terceiro problema de um livro é
Dar seu sermão e virar as costas
Suscitando comoção nas margens
Onde a língua cruza o olho,
Sem declarar nenhuma experiência de pânico,
Nenhuma cumplicidade neste tumulto.
A provação de um livro é não dar pistas
De ser provação, é ser neutro e leigo
No sentido reto do impresso.

O problema de um livro, principalmente,
É ser só livro na superfície;
Vestir capa como capa,
Se enterrar em morte-livro
Mas se sentir tudo menos livro,
Respirar palavras vivas, mas com o hálito
Das letras; endereçar vivacidade
Nos olhos que lêem, ser respondido
Com letras e livrescidade.


tradução: Rodrigo Garcia Lopes

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ALÉM

Dor é impossível de se descrever
Dor é a impossibilidade de descrever
Descrever o que não é possível descrever
O que deve ser uma coisa além da descrição
Além da descrição para não ser conhecido
Além do conhecido mas não mistério
Não mistério mas dor não claro mas dor
Mas dor além mas aqui além


tradução: Rodrigo Garcia Lopes

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POR CAUSA DAS ROUPAS

Sem costureiros para conectar
A boa vontade do corpo
Ao propósito da mente,
Devíamos ser dois mundos
Em vez de um mundo e sua sombra,
A carne.

A cabeça é um mundo
E o corpo um outro -
O mesmo, mas algo mais lento
E mais deslumbrado e anterior,
A divergência sendo corrigida
No vestido.

Há um cheiro de Cristo
No tecido: abaixo do queixo
Não se quer mal algum.
Igual, imune
À prova capital, o saber floresce
Do seio protegido da luz, e as coxas
São humildes.

A união da matéria com a mente
Pelo método da indumentária
Não destrói nossa nudez
Nem abafa a sineta do pensamento.
O momento apenas une-se à sua hora
Muda.

No íntimo existe o brilho do conhecimento
E por fora existe o sombrio da aparência.
Mas ao vestir o manto e a touca
Só com mãos e face aparecendo,
Internalizamos o sombrio e brilhamos
Suavemente.

Por causa disso, pela graça neutra
Da agulha, nos apossamos de nossos triunfos
E de nossas derrotas
Numa conjugação equilibrada e única:
Hesitamos entre senso e insensatez,
E vivemos.

tradução: Rodrigo Garcia Lopes

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COMO NASCE UM POEMA

A necessidade nos acossa como acusação de impotência:
Você pode ou não falar mais alto,
Provar que está presente?
O que você precisa encontrar para dizer,
Para passar o saber que você existe
À revelia dos crentes ou descrentes
Da nossa espécie em cada um,
Você pode chegar junto ao chegar perto deles
E deixar o assunto de aceitação
Suspenso entre sua oferta
E seu destino com eles no tempo.
(Isto se chama "prosà'!)
Ou você pode convidar ouvintes,
Sem esperar por eles ─
Fazendo do que você acha para dizer
Um testemunho de si, se ausente de ouvintes.
(Assim o poema se constrói:
Para ser entregue numa distância curta.
Mesmo sem platéia, fala.)

A realidade num poema é inextensível.
Abrange a vontade de falar mais alto,
Mas, se presume incluir
A vontade visitante de ouvir o que é dito,
Finge ser uma
Presença além da sua mesma.

o que mais pode ser feito?
Não falamos mais um com o outro?
Pomos palavras no ar e no papel
Que viajam entre nós como se o real,
Sob a proteção do tempo,
Com nem tudo perdido entre uma e outra,
Estas, aquelas e suas outras,
Ou perdidas de uma vez?

Não fosse isto um poema
Eu falaria sobre o falar,
Escreveria sobre o falar (e sobre o escrever),
Que se guardaria para o outro, outros,
Se construiria para todo mundo,
Ou para ninguém, contendo em si sua força viajante,
Sem precisar de uma graça de tempo para resgatá-Io
De uma perda total.
Ou eu falaria, escreveria, assim,
Esforçando-me para construir, quero dizer,
Algo ligando nossos entendimentos
Numa realidade de palavras, de eus, de outros,
Mais dizível, mais penetrável, habitável, aberta.

tradução: Rodrigo Garcia Lopes

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o poema

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