O PoemaO Poema

William Carlos Williams (1883-1963)

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Paterson
.

Poeta fundamental numa tradição de gigantes, a poesia norte-americana, em que cada autor parece estar observando o mundo pela primeira vez e inventando a linguagem poética (...). Dentro desta tradição, William Carlos Williams se destaca por sua capacidade de transformar todo assunto ou objeto em matéria poética. Daí sua atenção toda peculiar ao fugaz e ao diminuto, ao aparentemente desimportante, enfim.

A poesia surge do mais inesperado solo... "Ele continua a arrebentar rochas e rachar poemas". (T.S. Eliot numa carta de fevereiro de 1959, aludindo a um de seu poemas mais conhecidos, "Uma espécie de canção".

(comentário de José Paulo Paes publicado
no livro "Poemas". Companhia das Letras, 1987)

 

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Ai que quiere, 
Ao que quer, 
1917

Sour Grapes,
Uvas Azedas, 
1921

Spring and all,
Primavera e o mais, 
1923

Collected Poems (1921-1931),
Poemas Reunidos,
1934

An Early Martir,
Um mártir precoce,
1935

Adam an Eve 
and a City,
Adão e Eva e a cidade,
1936

The Complete
Collected Poems
(1906-1938),
Poemas reunidos completos,
1938

The Broken Span,
O vão rompido,
1941

The Wedge,
A cunha,
1944

The Clouds,
As nuvens,
1948

The Collected 
Later Poems,
Poemas ulteriores reunidos,
1950

The Desert Music
and other Poems,
A música do deserto
e outros poemas,
1954

Journey to Love,
Jornada ao amor,
1955

Pictures
from Brueghel,
Quadros de Brueghel,
1962

Paterson,
Paterson,
(1946-1958)

 




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"Copiar a natureza é uma atividade invertebrada.[...] Mas imitar a natureza envolve o uso da palavra e então nós mesmos nos tornamos a natureza, inventando assim um objeto que é uma extensão desse processo".

§

"A verdade é que as notícias de jornal  oferecem o justo incentivo para a poesia épica, a poesia dos acontecimentos. [...] O poema épico teria de ser o nosso 'jornal'. Os Cantos de Ezra Pound são um equivalente algébrico disso, mas um equivalente tão perversamente individual que não alcança ser compreendido universalmente como seria mister. [...] Terá de ser um estilo épico conciso, de pontaria certeira. Estilo de metralhadora ".

 

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William Carlos Williams
William Carlos Williams
William Carlos Williams
William Carlos Williams
William Carlos Williams
William Carlos Williams
William Carlos Williams
William Carlos Williams

 

William Carlos Williams

O LAVRADOR

Perdido em pensamentos o
lavrador passeia sob a chuva
por seus campos vazios, mãos
nos bolsos,
na cabeça
a colheita já plantada.
Um vento frio vem encrespar a água
entre as ervas tostadas.
Por toda parte
o mundo rola friorento para longe:
negros pomares
escurecidos pelas nuvens de março -
deixando espaço livre aos pensamentos.
Lá embaixo, além da galharia
rente
ao carreiro encharcado de chuva
assoma a figura artista do
lavrador - compondo
- antagonista

(tradução:  José Paulo Paes

 

O POEMA

Tudo está
no som. Uma toada.
Raramente uma canção. Devia

ser uma canção - feita de
minúcias, vespas,
uma genciana - algo
imediato, tesoura

aberta, olhos
de uma dama - despertando
centrífuga, centrípeta.

(tradução:  José Lino Grünewald)

 

PRELÚDIO AO INVERNO

A mariposa sob as goteiras
com asas como
a casca de um tronco, estende-se

e o amor é uma curiosa
coisa suavemente alada
imóvel sob as goteiras.

(tradução:  José Lino Grünewald)

 

O LAMENTO DA VIÚVA 
EM PLENA PRIMAVERA

O pesar é o meu quintal
onde a grama nova
flameja como tantas vezes
flamejou antes não porém
com o fogo gélido
que se fecha este ano à minha volta.
Trinta e cinco anos
vivi com meu marido.
A ameixeira hoje está branquinha
de pencas de flores.
Pencas de flores
carregam os galhos de cerejeira
e dão a alguns arbustos cor
amarela e vermelha a outros
mas o pesar dentro de mim
é mais forte que elas ·
pois embora fossem a minha alegria
antigamente, eu hoje as vejo
e Ihes volto as costas deslembrada.
Hoje o meu filho me disse
que para lá dos prados,
na orla da floresta cerrada,
viu à distância
árvores de flores brancas.
Bem que eu gostaria
de ir até lá
para deixar-me tombar sobre essas flores
e afundar no brejo perto delas.

(tradução:  José Paulo Paes)

 

MORTE

Ele está morto
o cão não terá mais
de dormir sobre as batatas
dele para evitar
que congelem

está morto
o velho bastardo -
É um bastardo porque

já não há mais nada
de legítimo
nele
       está morto
de dar nojo

                        é
uma velharia
esquecida de Deus sem
nenhum sopro de vida

Não é coisíssima alguma
      está morto
pele só

      Ponham-lhe a cabeça
numa cadeira e os
pés em outra e ele
ficará ali esticado
feito um acrobata -

O amor batido. Por
ele. Eis por que
é insuportável -
      porque
ali jaz carecido
de barbear-se no peito
um uivo estrangulado
de amor e derrota -

Ele saltou para fora
do homem e deixou
o homem se ir embora -
                                  o farsante

Morto
          de olhos
revirados no branco
sem luz - um escárnio

                                   que
o amor já não pode tocar -

enterrem-no e escondam-lhe
logo o rosto
de vergonha.

(tradução:  José Paulo Paes

 

AS ÁRVORES BOTTICELLIANAS

O alfabeto das
árvores

vai desmaiando na
canção das folhas

as hastes cortadas
das finas

letras que escreviam
inverno

e frio
foram iluminadas

com
pontas de verde

pela chuva e o sol -
As regras simples

e estritas dos ramos
retos

vão sendo alteradas
por ses de cor

pinçados, por cláusulas
devotas

os sorrisos de amor -
. . . . . . .

até as frases
desnudas

se moverem como braços
e pernas de mulher sob o tecido

e em sigilo o louvor
entoarem do desejo

e do império do amor
no estio -

No estio a canção
canta-se por si

acima das palavras surdas -

(tradução:  José Paulo Paes)

 

A DURAÇÃO

Uma folha amarfanhada
de papel pardo mais
ou menos do tamanho

e volume aparente
de um homem ia
devagar rua abaixo

arrastada aos trancos
e barrancos pelo
vento quando

veio um carro e Ihe
passou por cima
deixando-a aplastada

no chão. Mas diferente
de um homem ela se ergueu
de novo e lá se foi

com o vento aos trancos
e barrancos para ser
o mesmo que era antes.

(tradução:  José Paulo Paes)

 

OS POBRES

É a anarquia da pobreza
que me encanta, a velha
casa amarela de madeira recortada
em meio às novas casas de tijolo

Ou uma sacada de ferro fundido
com gradis representando ramos
folhudos de carvalho. Isso tudo combina
com as roupas das crianças

que refletem cada período e
estilo da necessidade -
Chaminés, telhados, cercas de
madeira e metal numa época

sem cercas delimitando quase
coisa alguma: o velho
de suéter e chapéu preto
a varrer a calçada -

os seus três metros de calçada
na ventania que inconstante
virou-lhe a esquina para vir
tomar conta da cidade inteira

(tradução:  José Paulo Paes

 

UMA ESPÉCIE DE CANÇÃO

Que a cobra fique à espera sob
suas ervas daninhas
e que a escrita se faça
de palavras, lentas e prontas, rápidas
no ataque, quietas na tocaia,
sem jamais dormir.

- pela metáfora reconciliar
as pessoas e as pedras.
Compor (Idéias
só nas coisas) Inventar!
Saxífraga é a minha flor que fende
as rochas.

(tradução:  José Paulo Paes

 

O DURO CERNE DA BELEZA

O mais esplêndido não é
                                       a beleza, por profunda que seja,
mas a clássica tentativa
                                       de beleza,
em meio ao charco: a
                                       estrada interrompida, abandonada
quando a nova ponte finalmente entrou em uso.
                                       Ali, de ambos os lados de uma entrada
cuja tinta, crestada pelo sol,
                                       começa a descascar -
dois vasos de gerânios.
                                       Pois entre: em uma das paredes,
pintadas numa placa ornamental,
                                       romãs maduras.
- e, ao sair, repare lá
                                       embaixo na estrada - numa unha,
numa unha de polegar se poderia esboçá-lo -
                                       degraus de pedra subindo
pela fachada toda até, no
                                       primeiro andar, um
minúsculo
                                       pórtico
em bico como o palato
                                       de uma criança! Deus nos dê de novo
igual intrepidez.
                       Há tufos
                                       de roseiras dos dois lados
dessa entrada e ameixeiras
                                       (uma seca) circundadas
na base por carcaças
                                       de pneus velhos! sem outro propósito
senão a glória da Divindade
                                       a qual fez aparecerem
ambos os seus ombros, sustentando
                                       o enlameado lourejar
de suas tranças, acima
                                       das ondas pacientes.
E nós? o vasto mundo inteiro abandonado
                                       sem nenhuma razão, intacto,
o mundo perdido da simetria
                                       e da graça: sacos de carvão
jeitosamente empilhados sob
                                       o telheiro dos fundos, o
fosso bem atrás um passadiço
                                       por entre a lama,
triunfante! ao prazer,
                                       prazer; prazer de barco,
retirada vereda de um domingo
                                       até o livre rio.

(tradução:  José Paulo Paes

 

 

William Carlos Williams

o poema

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