Velimir Khlebnikov (1885-1922)

A vida e a atividade de Victor Vladimirovitch Khlebnikov (1885-1922) incluem duas datas chaves da história da Rússia moderna: 1905, que esboça a grande ruptura, e 1917, que a traça irremediavelmente.

Nesse meio-tempo, antecipando às vezes a efetivação do real, se inscreve uma série de textos dos quais alguns, no plano literário, se designam com o nome de futurismo. Que esse movimento esteja ligado ao formalismo, inútil de sublinhar, e foi aliás através dos formalistas russos que ouvimos falar de Vélimir Khlebnikov, "poeta dublê de teórico" (Tynianov), "o Lemossonov da literatura moderna" (Chklovski).

Ele nasceu perto de Astrakhan, em 28 de outubro de 1885, no seio de uma família de intelectuais, passou sua infância e uma parte da juventude na região do Volga, residindo em Simbirsk, estudando na universidade de Kazan (onde haviam lecionado Lobatchevsky e Baudouin de Courtenay, e de onde o jovem Oulianov, que ainda não era Lênin, havia sido expulso em 1887), em cidades em contato com civilizações orientais e, para alguns, tendo ainda na memória o levante de Razin que abalou a Rússia do século XVII.

Matemático e naturalista por formação, o jovem Khlebnikov abandona pouco a pouco essas disciplinas para se dedicar primeiro ao desenho, depois enfim à literatura. Abandono que não podemos de resto qualificar como definitivo, uma vez que esses campos diversos não cansarão de se cruzar ao longo de toda a sua vida. Entra para o mundo literário em 1908, numa Petersburgo dominada pelo simbolismo. Será aliás o teórico do movimento, Viatcheslav Ivanov, quem lhe dará o pseudônimo de ressonância velho-eslava, Vélimir. Suas estréias são marcadas por textos (verso e prosa) caracterizados por "neologismos" baseados em traços arcaicos (como A tentação do pescador) de um lado, e por ensaios de pontilhismo ou de cubismo de outro. Ele irá se desprender do simbolismo muito rapidamente (a partir de 1909, ao que parece) e se aproximar, pelo viés de Kamenski, que fez publicar a Tentação na revista Vesna (Primavera), do grupo formado por Matiouchine, Gouro, para editar, em abril de 1910, O viveiro de juízes, manifesto que traz os nomes a que Khlebnikov chama de "futurianos" (budetljanje). Quanto ao simbolismo, ele o liquidará teoricamente em 1912, em Mestre e aluno, um pouco antes do nascimento, por assim dizer, oficial, do futurismo; Uma bofetada no gosto público (dezembro de 1912) reúne, com efeito, as duas grandes figuras do novo movimento, V.V. Khlebnikov e V.V. Maiakóvski, tendo a ligação entre os gênios sido efetuada aqui por David Burliuk.

Até 1916, Khlebnikov não cansará de mudar de lugar: Moscou, Petersburgo, Kharkov, Astrakhan, etc. Desde 1910-1911 ele havia começado o estudo sistemático dos números, operação que lhe permitiria formular as "leis do tempo" e, de imediato, fundar uma sociedade dos Presidentes do globo terrestre (o "Estado do tempo", em oposição aos "Estados do espaço").

A primavera de 1916 abre um período difícil, que se prolonga até a revolução de fevereiro: convocado ao serviço militar em Tsaritsyn, ele tenta que lhe reformem, e passa três semanas entre os loucos: "Eu sou qualquer coisa que quiserem: um derviche, um mago, um iogue, um marciano, mas um simples soldado de infantaria de reserva, não".

Quando explode a revolução de outubro, segue de muito perto todos os acontecimentos e acolhe favoravelmente o regime dos Sovietes, como todos os seus amigos futuristas.

A guerra civil o vê errar pela Rússia de novo, sem papéis, esfarrapado, preso e libertado em seguida, se "refugiando" num asilo psiquiátrico. Após uma estadia em Kharkov, muito fecunda no plano da obra, mas marcada por toda sorte de privações e humilhações (1920), ele chega a Baku, onde trabalha na Rosta. Em junho de 1921, acompanha um destacamento do Exército vermelho ao Irã; essa campanha lhe inspirará seu poema A Trombeta de Gol Mullah, hino calmo a essa Ásia que, segundo seus próprios termos, o "torturava".

De volta a Baku, em agosto de 1921, ele parte quase que de imediato para Piatigorsk, onde é empregado como vigilante noturno, após retornar a Moscou num vagão de epiléticos. Liga-se então ao pintor Mitourich, que o ajuda a publicar sua "trans-narrativa" Zanguézi, bem como a soma de seus cálculos numéricos As Tabuadas do destino. Na primavera de 1922, os dois homens partem para a região de Novgorod, na aldeia de Santalovo.

Ao chegar, após duras penas, Khlebnikov cai doente e morre de septicemia, depois de passar por sofrimentos atrozes, em 28 de junho de 1922.

Texto de Yvan Mignot, traduzido por Fábio Fonseca de Melo, publicado no site sobre um espetáculo e evento do grupo KA (http://www.iar.unicamp.br/~projka), produzido pelo Departamento de Artes Cênicas / UNICAMP, formandos de 1998, com direção de Renato Cohen.

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O Poema

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