Poucos poetas levaram tão a sério a injunção rimbaudiana «é preciso ser absolutamente moderno» quanto o francês Jacques Roubaud. No âmbito da poesia, isso significa produzir uma escrita que incorpore de forma embrionária a complexidade da experiência da modernidade (ou da pós-modernidade): já que o mundo contemporâneo vem progressivamente abolindo o padrão das medidas, dos comedimentos ou da moderação ao tempo, em que fronteiras - em que medidas - buscar o poético? Roubaud investe justamente nesse abismo de indeterminação do moderno para levar sua escrita às fronteiras em que, tradicionalmente, não deveria haver poesia: a matemática, a narrativa aventuresca, o ensaio, o romance policial, a novela, a fotonovela, o jogo, o passeio, o labirinto, o teatro, a autobiografia, os quadrinhos etc. Seu livro de estréia, E (o símbolo matemático pertence a na teoria dos conjuntos), de 1967, tem a estrutura do jogo japonês go: são 361 textos correspondentes às 361 interseções do tabuleiro do jogo. Matemático de formação, ele publica, em 1973, Trente et un au cube, com 31 poemas de 31 versos e 31 sílabas, tudo regido pelos mesmos princípios do haicai. Mas não é apenas nas fronteiras da lógica ou na poesia japonesa que Roubaud vai buscar seus constrangimentos - no sentido de pressão ou compressão - poéticos. Em L'enlevement d'Hortense, de 1987, por exemplo, o poeta faz um pastiche do romance policial inglês. Já em Le grand incendie de Londres, de 1989, Roubaud transforma em textos poéticos os reveses de um ambicioso projeto de escrever um grande romance autobiográfico. Membro desde os anos 1960 do grupo OuLiPo, acrônimo que poderia significar de forma irônica algo como Sala de Costura de uma Literatura Potencial, Roubaud, assim como os demais oulipianos, preocupa-se em inventar estratégias e tramas que levem a momentos mais intensos de convivência com a língua, a escrita e, por fim, o poético. Assim, partindo de um fracasso pessoal, o projeto do romance Le grand incendie de Londres, Roubaud serve-se desse malogro como fulcro de seu trabalho, fazendo da literatura uma arte de busca do potencial que não pode estar senão na origem de cada coisa. Segundo suas palavras, a poesia está sempre no começo, e no começo apenas. Devolver a poesia a seu começo, com seus enigmas, indagações, abismos e aporias, é seu grande projeto. Com Quelque chose noir (Algo: Preto), livro de 1986 que se apresenta como diário de uma perda, e que ora aparece na coleção Signos da editora Perspectiva, em tradução de Inês Oseki-Dépré, Roubaud atinge seu ápice poético até o momento. Para além da sua capacidade crítica e inventiva, este livro se destaca pelo enfrentamento da experiência da morte. Trata-se de uma convivência poética com o extremo, em todos os sentidos do termo — o mais intenso, mas também o terminal ou o que está a ponto de se extinguir —, transformando a densidade do que é derradeiro em outro começo: esse algo preto não poderia representar melhor uma escrita poética que busca a frequentação de suas fronteira. Caio Meira |
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