Ferreira Gullar

A implosão da vanguarda
Entrevista com Ferreira Gullar por Manuel da Costa Pinto

Precursor do concretismo paulista e autor do Manifesto Neoconcreto de 1959 (que seria a ponta de lança do movimento que reuniu artistas plásticos como Amilcar de Castro, Lygia Clark, Ligia Pape e Franz Weissmann), Ferreira Gullar é um vanguardista que, após implodir a linguagem, quis implodir a própria idéia de vanguarda em nome do engajamento político. A virada na obra do poeta se deu com dois ensaios dos anos 60 que acabam de ser reeditados em um único volume: Cultura posta em questão e Vanguarda e subdesenvolvimento (editora José Olympio). Nascido em São Luís do Maranhão em 1930, o autor de Muitas vozes mudou em 1951 para o Rio de Janeiro – onde levou a experimentação formal, iniciada com A luta corporal, até o radicalismo do Poema enterrado (1959): uma sala subterrânea, construída na casa do pai do artista Hélio Oiticica, em que três cubos de madeira de diferentes tamanhos contêm a palavra “Rejuvenesça”. A partir daí, Gullar dá uma guinada em sua vida e em sua poética, ingressando no Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC-UNE), fazendo a crítica do “internacionalismo” das vanguardas (“toda criação estética nasce do particular”) e, paradoxalmente, produzindo alguns dos livros mais inovadores da literatura brasileira contemporânea – como o Poema sujo, escrito na Argentina em 1976, marcando o fim de um período de exílio que, a partir de 1971, o levou sucessivamente a Moscou, Santiago, Lima e Buenos Aires.

Leia a seguir a entrevista que Ferreira Gullar deu à Cult em São Paulo, onde grava mensalmente o programa “Gerações”, da STV – Rede SescSenac de Televisão.

Cult – Você acaba de relançar, em um único volume, dois ensaios dos anos 60: Cultura posta em questão e Vanguarda e subdesenvolvimento. Em que contexto eles foram e escritos e qual a validade deles hoje em dia?
Ferreira Gullar – Cultura posta em questão foi escrito durante época do CPC da UNE e publicado às vésperas do golpe militar de 1964. Eu levei os primeiros exemplares do livro para São Luís e fiz um lançamento em clima de comício. Era a época fervilhante do governo João Goulart, com lutas pela reforma agrária e pelas reformas de base – e o livro se insere nesse processo. Na volta, parando em Recife, onde me encontrei com o então governador Miguel Arraes, fiz um novo lançamento, ainda no começo de março. No fim desse mês veio o golpe e o livro, cuja tiragem ainda estava quase toda na Editora Universitária da UNE, foi apreendido e queimado. A primeira edição foi esgotada pela polícia! Não sobrou nada, só os livros que eu tinha vendido em São Luís e Recife. Fiquei com um único exemplar. Depois do golpe, algumas pessoas que compraram Cultura posta em questão, e que naturalmente estavam envolvidas na luta pela reforma agrária e pelas reformas de base, tiveram suas casas invadidas pela polícia – e o livro acabou sendo usado como uma prova de subversão. Muita gente que soube disso queimou o livro, ou o enterrou no quintal... Cultura posta em questão expressa bem esse momento do CPC, que foi criado basicamente pelo Vianinha [Oduvaldo Viana Filho] e por Carlos Estevão. Depois se juntaram a eles Leon Hirzman, Arnaldo Jabor e Cacá Diegues. O CPC teve origem na peça A mais valia vai acabar, seu Edgar, do Vianinha, montada na Faculdade de Medicina, na Urca. O que ficava claro ali era o uso da cultura como instrumento de conscientização e transformação social. Eu não tinha nada a ver com isso, pois vinha do neoconcretismo, de uma experiência de vanguarda. Meu livro anterior era A luta corporal, que era um livro de fundo existencial, com questões de linguagem, de implosão da sintaxe; depois eu passei pela experiência neoconcreta, fazendo poemas espaciais. Ou seja, eu não tinha experiência política. Quando entrei no CPC, senti a necessidade de refletir sobre o que estava acontecendo ali. Cultura posta em questão é um livro em que eu procuro me situar diante daquelas questões e, embora eu estivesse de acordo com algumas propostas do CPC, o livro difere um pouco dessas posições.

Cult – Mas também é uma divergência em relação ao seu passado concretista.
F.G. – Quando eu me engajei no CPC, minha experiência no plano da vanguarda tinha se esgotado; eu considerei que havia chegado a um beco sem saída, a um esgotamento. Quando eu vi o Poema enterrado – uma sala no fundo do chão, com três cubos, toda essa estrutura para conter apenas uma palavra –, me perguntei se não estava me transformando em arquiteto ou escultor. Eu me questionava e esse autoquestionamento correspondia a uma certa exaustão. Nunca tive a idéia de ser vanguardista. Escrevi A luta corporal por causa das contradições em que me envolvi. Escrevo pelo prazer e pela necessidade de responder a indagações que a vida me coloca, e não para entrar na história da literatura. Assim, meu engajamento foi conseqüência de um impasse. A questão social estava surgindo de modo forte. Eu estava em Brasília num cargo público [em 1961, Gullar foi nomeado presidente da Fundação Cultural de Brasília] e assisti à renuncia do Jânio; depois veio o governo do Jango e eu voltei para o Rio e comecei a entrar num outro Brasil, no Brasil real, que não era o Brasil da vanguarda, de A luta corporal, mas da reforma agrária, da fome. Eu realmente me engajei nisso, passei a ver a poesia e a arte de outra maneira. É uma contradição em relação a mim, mas eu sou contraditório, a vida é contraditória. Eu nunca pensei assim: a literatura é a + b + c e partir daqui vou pôr isto em prática. Eu não sei o que é literatura, não sei o que é arte – estou perguntando até hoje.

Cult – Vanguarda e subdesenvolvimento foi escrito poucos anos depois, mas é um refinamento teórico em relação ao ensaio anterior.
F.G. – Já tinha havido o golpe. Por um lado, havia o reconhecimento de nossa ingenuidade política ao acreditarmos que iríamos fazer a revolução. Por outro lado, eu aprendi que a realidade social é tão ou mais complexa do que a estética, e que uma arte engajada, para ser feita com qualidade, é tão problemática e complexa quanto a arte de vanguarda. E aí se colocou a questão do vanguardismo que, diante da derrota do CPC e de toda literatura engajada, foi favorecido pela ditadura. Na estou dizendo que os vanguardistas tinham algum compromisso com a ditadura, mas é natural que quem não critica a sociedade, não critica o governo e não tem conteúdo ideológico não seja perseguido num regime autoritário. Não por acaso, o teatro que fazíamos no Grupo Opinião [fundado em 1964], que peitava a ditadura, foi substituído pelo vale-tudo do Zé Celso, essa coisa de mulheres nuas em cena, de espremer fígado na cabeça do espectador, essa agressão ao público com o pretexto de que ele era conivente com a ditadura. Eu falei para o Zé Celso na época: “Agredir o público? Mas o que nós queremos é conquistar o público; nós vamos agredir justamente quem nós queremos conquistar na luta contra a ditadura?”

Cult – Fazia diferença dizer isso tendo sido um vanguardista?
F.G. – Eu não era um cara alheio à vanguarda que resolveu criticar a vanguarda. Eu levei a experiência de vanguarda na poesia brasileira mais longe do que qualquer um por aí. Eu sabia do que estava falando. O que eu coloquei foi o problema de uma vanguarda internacional que desconhecia, como desconhece, as características dos países. Já tinha havido em 1959, na Bienal de São Paulo, a experiência do tachismo [escola pictórica de origem francesa que utiliza “manchas” – em francês, taches – sobre a tela]: você andava pela Bienal e em todos os estandes nacionais – fosse japonês, argelino, brasileiro ou francês – era a mesma coisa, eram só obras “tachistas”, só quadros com manchas, quilômetros de pinturas sempre iguais. Uma monotonia, uma pobreza, sem qualquer marca peculiar de cultura. Minha defesa do caráter nacional da arte não era nacionalista, pois nunca fui chauvinista, mas partia da consciência de que toda criação estética nasce do particular, e não do geral. A ciência pode nascer do geral, pois procura leis e conceitos universais; mas a arte nasce do particular.

Cult – Mas hoje a globalização não está fazendo esse particular desaparecer? O mundo e a arte não estão cada vez mais “internacionais”?
F.G. – É uma tendência que já havia na época. A arte se tornou uma mercadoria e o mercado de arte, que era nacional, se tornou internacional. A arte conceitual que se pratica hoje no Brasil é a mesma em todas as partes do mundo. Qual é a sua característica própria? Nenhuma. Quem se expressa através disso? Como já dizia o Mário de Andrade, o internacional é o nacional de algum país. O internacional é uma abstração. É um domínio de um país sobre todos os outros. A arte conceitual, no caso, é uma tendência norte-americana, uma tendência introduzida por Duchamp num país sem tradição pictórica e que se alastrou pelo mundo. Evidentemente, a pintura do Antonio Henrique Amaral é muito mais criativa, marcante e enriquecedora do que a obra desses artistas que fazem sempre o mesmo urinol do Duchamp, ou a mesma instalação, ou a mesma arte em vídeo – como ocorreu na última Bienal de São Paulo. É contra isso que eu me voltava e nesse sentido acho que – à parte algumas coisas de caráter ideológico que não têm mais cabimento – Vanguarda e subdesenvolvimento continua a dizer coisas válidas no que se refere à questão da essência artística.

Cult – Falando dessa relação entre avaliação estética e mercado, você acredita, que o expressionismo abstrato norte-americano se tornou hegemônico porque vem de um país hegemônico?
F.G. – Sim, ele se impôs. E as Bienais e exposições internacionais também são expressão desse sistema da arte, em que rola muito dinheiro e prevalece o prestígio internacional do país e de suas instituições museológicas. Recentemente, o presidente da Fundação Guggenheim – que está abrindo filiais em várias cidades do mundo, incluindo o Rio de Janeiro – declarou ao New York Times que hoje em dia é mais fácil conseguir dinheiro para fazer museus do que para comprar obras de arte. O museu não é mais feito para conter obras de arte, é o museu pelo museu.

Cult – É o triunfo do formalismo: não se trata mais da forma da obra, mas da forma que contém a obra...
F.G. – O próprio Guggenheim é o primeiro museu feito assim. O arquiteto Frank Lloyd Wright projetou o Guggenheim de um modo que não tinha nada para ser museu, com paredes em curva, rampas e complicações arquitetônicas em que o museu em si é que passa a ser importante, mesmo se lá dentro estão obras de Malévitch ou Mondrian. Foi nisso que eles se inspiraram para fazer, por exemplo, o Guggenheim de Bilbao [na Espanha], que é uma extravagância arquitetônica.

Cult – E onde está a arte brasileira com traços particulares?
F.G. – A arte brasileira é o Siron Franco, o João Câmara, o Franz Weissmann, o Marcelo Grassman, com suas gravuras belíssimas. É claro que esta arte não vai competir com esse mundo disparatado do Big Brother ou da arte em vídeo, que é uma coisa chatíssima e que só existe para curadores. As pessoas vão procurar onde está o ser humano, que muitas vezes pode estar numa pequena gravura ou num quadro. Há um ano eu assisti a um espetáculo na Urca, para um público de cinco pessoas, encenado no quarto de uma casa. Sabe o que estava sendo encenado lá dentro? Crime e castigo [adaptação do romance de Dostoiévski], uma experiência incrível. Enquanto o mundo vai ficando globalizado e massificado – o que vai contra o ser humano, porque ninguém nasceu para morar em cidades do tamanho de São Paulo ou da cidade do México e por isso as pessoas vão se juntando e criando pequenas tribos –, a verdadeira arte está sendo feita para pequenos grupos de pessoas que ainda se comovem.

Cult – Isso inclui a poesia?
F.G. – O poeta não está nisso. A poesia, felizmente, não tem mercado e por isso não foi arrebatada por essa loucura. Eu costumo dizer que a poesia não vale nada, não tem nenhum valor... no mercado; ela só tem valor para as pessoas que a amam.

Cult – Voltando à questão das vanguardas: você disse em entrevista aos Cadernos de Literatura do Instituto Moreira Salles que sua fase neoconcreta não expressava o Brasil. Mas uma poesia subjetiva, visceral, com a de A luta corporal não é também uma forma de expressão da realidade?
F.G. – Eu me referia especificamente ao neoconcretismo; eu quis dizer que o caráter abstrato, desvinculado da realidade geográfica e social, do concretismo e do neoconcretismo, não expressava aquele momento de efervescência do Brasil. Eu não quis dizer que não era expressão de nossa vida cultural, mas que não era expressão de nosso momento político; eu era desligado dessa realidade, tanto que, a partir do momento em que me engajei no CPC, comecei a ler e aprender sobre o Brasil. Eu sabia muito mais sobre literatura francesa, sobre o cubismo ou sobre o romantismo alemão do que sobre o Brasil. Eu era um analfabeto em Brasil. Depois disso, minha poesia se tornou muito mais próxima da realidade social.

Cult – Você se refere aos Romances de cordel?
F.G. – Aquilo ali não é literatura. Foi o meu começo de engajamento, foi feito com puro e simples objetivo de fazer proselitismo político. Eu confesso que aquilo faz parte da minha obra porque eu não vou apagar uma coisa que teve uma importância muito grande na minha experiência, mas eu não tinha ali uma preocupação literária. Usei minha habilidade de poeta e versejador para fazer uma literatura bem popular e ajudar na conscientização das pessoas. Não deu certo.

Cult – Falando nisso, você não teve medo de que seus ensaios fossem usados para justificar uma espécie de “realismo socialista” em versão tropical?
F.G. – Não, porque o CPC era de uma irreverência total. Era um grupo que fazia críticas ao governo e colocava propostas socialistas com muito senso de humor. Nós tínhamos consciência do que representavam Brecht e o teatro de vanguarda. Tanto que, quando fomos fazer teatro fora do CPC, no grupo Opinião, montamos Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come [peça escrita por Gullar em parceria com Vianinha], que mistura realismo político com surrealismo.

Cult – Depois dessa fase, já no exílio, você escreveu em Buenos Aires o Poema sujo (1975). Esse poema não pode ser considerado vanguardista, por causa da complexidade da linguagem?
F.G. – Não acho que o Poema sujo seja vanguardista no sentido que se costuma dar a esse termo, embora seja uma coisa nova, original. Toda obra de arte que mereça este nome traz em si o novo, num grau maior ou menor. Mas, para ser novo, não precisa ser um paletó de três mangas; pode ter só duas mangas e ser novo [risos].

Cult – Como você teve os primeiros contatos com os concretistas, especificamente com Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos?
F.G. – Em 1954, depois que publiquei A luta corporal, eles me procuraram dizendo que era um livro rebelde, inovador, que coincidia com o que eles queriam fazer. O Augusto de Campos me telefonou e nos encontramos no Rio para uma conversa. Nesse tempo ainda não existia o concretismo. Eles tinham publicado Noigandres 1, em que não há nenhum poema concreto. A luta corporal foi inspirador do movimento, embora eles não digam. Tanto que os primeiros poemas visuais do Augusto, em Noigandres 2 [de 1955], têm influência do meu poema “Roçzeiral”. Mas isso não tem importância. Como disse, eu nunca quis ser vanguardista, ao passo que eles faziam planos-piloto e queriam ser de vanguarda. Havia duas visões diferentes, a ponto de se chegar sem demora à ruptura, nas páginas do “Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil. Mas alguns dos conceitos do movimento concretista nasceram de idéias minhas. O Haroldo tinha escrito um artigo falando na criação de um novo verso e eu disse que não se tratava de um novo verso, mas de uma nova sintaxe – que eu havia destruído em A luta corporal. Para mim, não se podia falar mais nem em linguagem, quanto mais em verso. Do mesmo modo, a idéia de que a sintaxe da linguagem normal é unidirecional – expressão que passou a ser usada pelo movimento – foi tirada de uma frase que eu repetia quando era locutor na rádio Timbira, no Maranhão: eu falava que emissora estava “transmitindo por uma antena unidirecional de 1.490 quilociclos”... Mas isso não quer dizer nada; o fato é que, no começo, a gente tinha alguma afinidade.

Cult – Essa afinidade inicial passava pela recuperação de Oswald de Andrade. Como você o conheceu?
F.G. – O Oliveira Bastos – que era meu amigo e crítico literário – tinha dado ao Oswald uma cópia datilografada de A luta corporal; ele ficou entusiasmado e quis me conhecer. Em 1953, no dia do meu aniversário, ele foi a minha casa levado por Oliveira Bastos. Levei um susto enorme. Ficamos amigos e, no final do mesmo ano, vim com Oliveira Bastos a São Paulo e passamos o réveillon na casa do Oswald. Eu gostava muito da poesia dele, pela irreverência, por aquela linguagem que tem gosto de capim verde, que voltava a um frescor que a literatura tinha perdido. Ao publicar o Primeiro caderno do aluno de poesia do aluno Oswald de Andrade, ele buscava uma poesia como que feita por criança, uma poesia que visse o mundo com olhos novos. Isso era precioso, muito diferente do concretismo, que é uma coisa cerebral e árida.

Cult – Qual é a sua divergência básica em relação ao concretismo?
F.G. – Para mim, a linguagem é discurso, as palavras só ganham concretude e significação no discurso. A palavra isolada é abstrata. A palavra “pêra” é um universal; a palavra concreta é esta pêra que está no meu prato ou a pêra que eu comi. A palavra isolada não tem determinação alguma, de modo que eu digo que a poesia concreta deveria se chamar poesia abstrata. A poesia é um discurso contra o discurso, mas de todo modo tem de haver um discurso que dê concretude à palavra; se não ela não se mexe, não existe. O concretismo foi muito importante como momento histórico da literatura brasileira, mas nenhum poema concretista ficou como algo que realmente tenha marcado a poesia brasileira; é um radicalismo ingênuo que compromete a própria natureza da poesia.

Cult – Por que existe um espaço de tempo relativamente grande entre cada um de seus livros?
F.G. – Eu sempre escrevi muito pouco. Eu não planejo a minha vida e não planejo minha obra. Cada livro meu resultou da exploração de um veio descoberto e que depois se esgotou, deixando um impasse. Depois de A luta corporal, de 1954, a obra seguinte é um pequeno livro de poemas concretos e neoconcretos, de 1958; mas o livro de poesia que vem realmente depois é Dentro da noite veloz, de 1975, ou seja 21 anos depois. Em 1980, eu publico um livro intitulado Na vertigem do dia, mas só vou publicar outro em 1987: Barulhos, que é um outro impasse. Eu acabo o livro e digo que não vou escrever mais, não porque não quisesse, mas porque achava que tinha se esgotado a experiência – e de fato fiquei dois ou três anos sem escrever nada. Lentamente eu recomecei a escrever, fui fazendo um poema aqui, outro ali, e levei doze anos até chegar ao ponto em que considerei que aquela fase estava concluída, com o livro Muitas vozes. E também achei que era o último. Se o outro tinha levado sete anos e esse levou doze, o próximo deveria levar vinte; mas, como eu já estou com quase 72 anos, então não vou publicar mais nada... De lá para cá, se escrevi dez poemas nesses três anos, foi muito. Sempre escrevi muito pouco pelo fato de que a poesia para mim não é uma produção de coisas. São descobertas, a poesia nasce do espanto, de algo que não tinha percebido e que me comove. Daí eu escrevo. Para mim poesia é isso. Eu vou de impasse em impasse.

(Enrevista publicada na Revista Cult nº 60
da Editora 17 - www.revistacult.com.br )

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