BREVE NOTA SOBRE A POESIA DE ROBERT CREELEY*
régis bonvicino

Na antologia From the Other Side ofthe Century: A New American Poetry 1960-1990, publicada este ano (Sun and Moon Press, 1994), incluindo de Charles Reznikoff (1894-1976) aos mais jovens poetas como Diane Ward (n. 1956), Creeley tem sua importância reconhecida: é o autor que abre — como divisor de águas — a terceira seção da coletânea. O organizador — o também poeta Douglas Messerli — justifica nestes termos sua escolha:

...o que interessa em Creeley é sua linguagem e o modo como lê (palavra falada) seus poemas, mais do que seus temas, que, geralmente, tem a ver com a história e com a sexualidade. É bastante evidente o impacto de sua poesia sobre os poetas mais novos...

Creeley nasceu em 1926 e se lançou nos anos 50 como editor da Black Mountain Review, que circulou entre 1954 e 57, publicando Charles Olson, Robert Duncan e Larry Eigner, por exemplo. Além de poeta — que, sob a influência de William Carlos Williams, estreou com For Love (1962) — Creeley é prosador de ficção e ensaísta. Entre seus livros de ficção: The Golã Diggers, The Islande Listem. Entre os de crítica: What h a Real Põem e Selected Poems ofWhalt Whitman.

Creeley pertence a uma geração que, no Brasil, lançou a poesia concreta e a neoconcreta e teve seus "independentes": Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos, Ferreira Gullar, Mário Faustino, José Paulo Paes e Afonso Ávila. Existem semelhanças entre o início de Creeley e o dos brasileiros. A semelhança relevante é a importância conferida a Ezra Pound (exclua-se Gullar, lembrando-se que José Paulo traduziu o ABC da Literatura). A maioria das dessemelhanças reside na não menção, por parte de Creeley, de e.e. cummings. Há também diferenças: "sei que existe uma crescente escola de poesia concreta. Mas, para mim, a tipografia é apenas um modo - em sentido musical - de indicar como eu desejo que o poema seja lido" (entrevista de 1965).

Num texto de 1965, "A Note on Ezra Pound", escrevia Creeley: "Para minha geração, o fato Ezra Pound e seu trabalho era inescapável [...]. Nos anos 40, a situação de Pound era — em todos os sentidos — muito depressiva. Para a maior parte dos jovens, ele era simplesmente um traidor, um anti-semita, um obscurantista". Creeley compara o trabalho de Pound ao dos dois poetas modernistas então aceitos: W. H. Auden (padrões de versos repetitivos) e Wallace Stevens ("but again whose use poetry had fallen to the questionable fact of device"). Em contrapartida, Creeley via nos poemas ("Personae", "Cantos") e nos escritos críticos de Pound (Make it New e ABC da Literatura) estímulos não à cópia mas à invenção. Creeley destaca ainda neste pequeno ensaio a importância do método ideogrâmico para a poesia: "ele presentifica mais do que comenta as coisas". E chama a atenção para a definição poundiana de literatura: "linguagem carregada de significado".

Williams foi outra das influências formantes, nada além disso, de Creeley: "Sinto que nós, mais novos, temos à mão uma extraordinária experimentação e construção de possibilidade oferecidas por Pound, Williams e Whalt Whitman" (1965).

Por que interessa traduzir Bob Creeley? Porque, não privilegiando a visualidade da escrita como recurso estrutural, recusa uma poesia fácil e verborrágica. Além disso, porque, numa perspectiva de poesia essencialmente verbal — logopaica —, valoriza questões de ritmo e sintaxe, pensamento e concisão. Numa cultura, como a brasileira, que confunde até hoje inspiração com confessionalismo, derramento com conteúdo, ou intimismo com falta de intimidade com a palavra, vale a pena ouvir uma voz sutil e densa.

Em A History ofModern Poetry, o crítico Dick Perkins rastreia as principais características da poesia de Creeley e sua situação relativa: "Enquanto muitos poetas norte-americanos tomavam o rumo do protesto, da confissão, e liberação, com turbulentas emoções e muitos versos, enquanto outros seguiam a moda do New Criticai, Creeley se 'reduziu' ao mínimo e ao mudo". Prossegue: "seus poemas se focam numa metáfora ou num complexo de sentimentos. Frequentemente, suas frases são ilógicas, elípticas e suspensas ao indefinido. Iniciadas delicadamente, com lapsos precisos e medidos, emitem sugestões de significado" (...). E conclui: "...dor, esvaziamento, incerteza, - linha a linha -vão minando o que seus poemas tentam afirmar.".

"O estilo de Creeley - prossegue Perkins - era considerado 'minimalista', significando, que, em muitas coisas que os poetas podem ser abundantes, Creeley era esparso e árido. Seus poemas têm pouca ou nenhuma descrição ou estória. Ele constrói seus refinamentos e ressonâncias pela justaposição de frases curtas e simples, com manipulações de sintaxe e ritmo, e pela metáfora". O ensaísta chega a comparar, noutro passo, o tom de Creeley com o de Mareei Proust: "The focus of anxiety is the same as in Proust..."

De um modo claro, Creeley dialoga também com João Cabral. João Cabral: "Poesia, te escrevia / flor! conhecendo / que és fezes. Fezes / como qualquer, / gerando cogumelos (raros, frágeis cogu- / -meios) no úmido / calor de nossa boca...", ou "flor é a palavra flor...".

Bob Creeley: "Penso que cultivo tensões/ como flores/ num bosque onde/ ninguém vai...". Frágeis cogumelos, imperceptíveis pétalas, que causam dor. E — contra tudo — mantém a cultura viva.

(Publicado no suplemento Mais!
(Folha de S.Paulo, 20 nov. 1994)

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