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Com ele a palavra sempre atinge o além do possível. Uma palavra qual esfera esquiva, cuja superfície se compõe com o movimento de muitas passadas. A cada passo, giram-se os significados e despoja-se o signo dos sentidos habituais, automatizados, para que germinem outros campos semânticos. A mão que move as arestas, os espelhos as faces dos verbos move-se com cautela, apesar de impor-se inquieta e persistente; incontrolavelmente insatisfeita. Em sua faina, tudo que ressoe a significado conta. Todas as maneiras de dizer o verso, qualquer impostação vocabular. Tudo ao derredor participa de sua lavra, de sua fortuna poética para que se conjugue à colheita a diversidade e o múltiplo. Forma, disposição da grafia, cor, ritmo, sonoridade, disjunção e conjunção de elementos significativos, o espacejamento que se dota de valor, a palavra em sua integridade ou o fragmento, às vezes farrapos de palavras, prefixos que ganham o mundo sozinhos desmembrados de seus radicais; colagens, grafismos, o desenho, a visualidade, a imagem, um tudo compósito preenche os espaços da página em branco sob as flexões dos dedos de Max Martins, este poeta paraense para quem a construção, a fruição da poesia é ato vital, jamais a gesticulação do banal e passageiro.


DOUTORA EM LITERATURA E PROFESSORA;
DA UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA

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Max Martins, que nasceu em 20 de junho de 1926 em Belém do Pará, tem quase meio século de poesia publicada. Começou com O Estranho (1952), passou pelo Anti-Retrato (19G0), Alguns Poemas (1965), 15 Poemas (1970), H'era (1971), O Ovo Filosófico (1975); O Risco Subscrito (1980), A Fala entre Parêntesis e Abracadabra (1982), Caminho de Marahu (1983), 60/35 (1986), Poema Cartaz e 3 Poemas (1991), Não para Consolar: Poesia Completa e Para ter onde ir (1992), e hoje, em 2001, publica esta edição completa pela Universidade Federal do Pará, acrescida de poemas inéditos.

Max divide sua existência em Belém entre o amor pela família e o trabalho na Casa da Linguagem com a amiga (também escritora) Maria Lúcia Medeiros, os intermináveis saraus na casa do amigo Benedito Nunes, um ou outro copo de vinho com os amigos no Bar do Parque, sua cabana na praia do Marahu, na ilha do Mosqueiro, as idas ao velho continente para visitar o também amigo e eterno parceiro de poesia, Age de Carvalho.

Distingo duas grandes virtudes nesta poesia. Ambas traduzem a habilidade do poeta Max Martins em transmutar em liberdade o que, originalmente, parece ser injunção do destino. Assim, no primeiro caso, a fatalidade de ter nascido e viver na região amazônica preenche esta poesia de uma carga semântica iluminada por metáforas úmidas, de modo que o poeta e mestre Zen - mas sem ceder aos apelos fáceis forjados neste sentido, pois se preza ao prezar seu ofício-enterra seu "
cajado de bambu" nesse pedaço de solo fértil do Ocidente que constitui, como diria o poeta, a "vulva" mais cobiçada do planeta.

Além disso, diante da obrigação quase obsessiva (que chega ao fastio) da poesia atual em tematizar o próprio processo da escritura, escondendo-se freqüentemente, neste recurso, a falta do que dizer e, em suma, a ausência de talento genuíno, nosso poeta não ignora que "a língua foi origem do mundo". Porém sabiamente, faz disso um instrumento de seu lirismo, de modo que essa língua original torna-se também a língua do beijo na sua querida musa, beijo que vai "do zênite da boca ao papel suado da terra, em que crescem os mamilos da rosa". Eis aí a amostra do que seria, a meu ver, a segunda grande virtude, entre tantas outras virtudes da poesia de Max Martins.



PROFa. DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ/ UFPA
DOUTORA EM FILOSOFIA PELA SORBONNE.

 

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"Se a Academia se desvia desse movimento regenerador
se a Academia não se renova, morra a Academia."


O ESPÍRITO MODERNO
Graça Aranha
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Quarenta anos de lida com a poesia separam o primeiro livro de Max Martins, O Estranho ( 1952), desta edição, em 1992, de seus poemas reunidos. Porém a contagem da idade do autor como poeta pode, a rigor, ser recuada por mais oito anos, até por volta de 42, quando o conheci. Era ele então um modesto e generoso editor adolescente: incumbia-se de fabricar os nossos primeiros livros, datilografando os seus e os meus poemas, em fita vermelha, na máquina do Banco do Pará, onde trabalhava. Essas tiragens caseiras de um só exemplar corriam de mão em mão, dentro de nosso pequeno grupo. Familiarizados com o Tratado de Versificação de Guimarães Passos, aprendêramos todos a metrificar e a rimar.  Jurandir Bezerra e Alonso Rocha, que dispensavam os serviços editoriais de Max, porque preferiam versões manuscritas de seus próprios poemas, coletados em cadernos escolares Avante, ensinaram-me a contar sílabas pelos dedos da mão direita. Naquele tempo, honrávamos o Parnasianismo.

Nada sabíamos da passagem de Mário de Andrade por Belém em 1927 e muito menos da existência de seus correspondentes paraenses, mais interessados nos estudos de folclore do viajante paulista do que na poesia "futurista" de Paulicéia Desvairada. Embora já tivesse dezoito anos de idade, o modernismo ainda não ingressara em nossas antologias escolares. Vivíamos, durante a Segunda Guerra Mundial, uma época de isolamento provinciano; sendo o transporte aéreo precário e raro, Belém ligava-se às Metrópoles do Sul quase que só pela navegação costeira dos Ita. Isso tudo justifica mas não explica nosso retardamento literário de jovens versejadores acadêmicos. Pois que fundamos nossa própria Academia com poltronas austríacas, lustres, patronos ilustres, posse solene e discurso de recepção. Só começaríamos a modernizar-nos depois da morte de Mário de Andrade, em 1945. Max Martins, honra lhe seja feita, antecipou-se a esse processo de geral conversão estética. Bancando o Graça Aranha, gritou: - morra a Academia! numa sessão solene. E saindo espaventosamente da sala, ou do recinto, conforme dizíamos, foi sentar-se no banco público fronteiro à minha casa, sede do silogeu, onde esperou a saída dos confrades para a costumeira badalação em bando pelas ruas da cidade.

Alguns anos depois desse grito libertário, um dos nossos ilustres confrades, Haroldo Maranhão, fundou e dirigiu o Suplemento Literário de "A Folha do Norte". Mais moderno do que modernista, esse antiprovinciano tablóide dominical instrumentou, difundindo tudo o que de melhor e mais novo se fazia na literatura e na arte do país e do estrangeiro, o esforço de atualização que cada qual começara a empreender por conta própria. E golpeou o isolamento que ilhava a produção local. Os primeiros poemas de O Estranho foram surgindo nas páginas do Suplemento, onde líamos as últimas poesias de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, alternando-se com os versos de Ruy Barata e Paulo Plínio Abreu, que nós, os então chamados "novos", somados a um Cauby Cruz e a um Mário Faustino, que não haviam pertencido à nossa Academia, tínhamos aprendido a admirar. O encarte dominical de "A Folha do Norte", que durou de 1946 a 1951, também direcionou a convivência intelectual que nos ligava, por meio de nosso atualizadíssimo mestre, Francisco Paulo Mendes, a pessoas mais velhas ou apenas menos jovens do que nós. Por fim, criou-se o espírito comum na maneira de sentir e de pensar o mundo real e a literatura.

De nosso antigo isolamento, restaria a vantagem da distância geográfica, convertida num senso de cauteloso distanciamento aos modismos metropolitanos na década de 40, quando, vinte anos após a revolução estética iniciada com a Semana de Arte Moderna, a poética modernista, já uma herança jacente dos poetas revolucionários de 22, começou a ser aberta pela geração ascendente à qual nos vinculávamos.

Não vamos recapitular os percalços da abertura dessa herança, que se fez, sob as condições particulares do período, segundo o recorrente processo de retomada interpretativa dos legados culturais, a cargo da nova geração em confronto com a de seus antecessores. O estrépito do confronto nas duas metrópoles, Rio e São Paulo, foi muito além do Neomodernismo prognosticado por Tristão de Athayde - a volta ao verso medido, às formas regulares, aos temas universais substituindo os nacionalistas, a tudo isso que, afinal, na mesma década, se incorporava ao modernismo amplificado de Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Manuel Bandeira e Cassiano Ricardo. Numa profissão de fé antimodernista, em nome da linguagem poética essencial, pura - que redundava, como bem percebeu o clarividente Sérgio Buarque de Holanda, numa exclusiva adoção do sermo sublimis em detrimento do sermo vulgaris - o confronto chegava a rejeitar o coloquial; o prosaico e o popular, considerados desvios e distorções da poesia de 22. Essa juvenil turbulência dos grupos de maior prestígio, que se rotularam de "geração de 45", usando o termo como bandeira de uma poética autônoma e definitiva, não nos atingiu.

Entretanto, participávamos, embora num ritmo mais largo e menos exclusivista, em razão de nosso distanciamento e das circunstâncias de nossa formação intelectual, do mesmo quadro geracional. Mas entre nós, a vivência de geração, ainda que comportando o arrebatado empenho da juventude, absorvida em sua momentânea verdade, não se transformou num mito de identidade histórica, acima das contingências de uma estação de idade, dentro do movimento giratório do tempo, que amanhã põe os jovens de hoje na posição de seus maduros (ou velhos) antecessores de ontem. Tivemos por vivência um sentimento compartido de convivência. Uma geração implica mais do que ela mesma. Implica, pelo menos, a geração de seus antecessores imediatos - no caso, a segunda leva dos poetas modernistas. Para eles estávamos voltados, como voltados estávamos para os coevos, nossos vizinhos de idade, nascidos nas imediações dos anos 20 e ingressos na vida literária entre os vinte e trinta anos. A exceção era Mário Faustino: aos 19 publicou os primeiros poemas, interrompendo desenvolta carreira de cronista iniciada aos 16.

O já citado Suplemento Literário dirigido por Haroldo Maranhão documenta esse cruzamento de interesses. Recapitulo, além dos já citados, alguns nomes dos seus colaboradores do Rio, de São Paulo e Minas, reunindo as duas gerações: Augusto Frederico Schmidt, Cassiano Ricardo, Jorge de Lima e Sérgio Milliet, mas também Fernando Ferreira de Loanda, Ledo Ivo, Domingos Carvalho da Silva, Bueno de Rivera e Alphonsus de Guimarães Filho. Queimadas pelo tempo, uma grande mancha marrom no centro, as páginas de minha desfalcada coleção do Suplemento ainda espelham as coisas novas formas de sensibilidade poética e padrões de pensamento filosófico que emergiam no fim da Segunda Guerra Mundial - o início da "idade política do homem", a época da intimativa literatura engajada chegando até nós na esteira do existencialismo, do sobressalto das novelas de Kafka, do acesso a Valéry e Rilke, a Fernando Pessoa e a García Lorca. Foi quando também se anunciou para nós o manancial ainda desconhecido da moderna poesia em língua inglesa, com T.S. Eliot à frente. Revalorizado o simbolismo, leríamos Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé como fontes primárias da modernidade.

Começou então a predominar - o que talvez seja o contributo dessa geração de 40 ou de 45 - a atitude racional do poeta como artista da palavra, ciente da forma de elaboração de seu poema sob o controle da inteligência, um pouco mais tarde singularizada na poética de João Cabral de Melo Neto. Desconfiando da espontaneidade dos sentimentos, os novos poetas paraenses também não cairiam no pecado do formalismo; combinaram o "trabalho de arte" com o embalo da inspiração.

A musicalidade de Cecília Meireles e o toque rilkeano dos temas impregnaram os primeiros versos de Mário Faustino (Poemas da Rosa e Poemas do Anjo), composições breves e cantantes, que dão forma precisa ao vago e ao imponderável. Rui Guilherme Barata, um descendente de Augusto Frederico Schmidt e de Vinícius de Morais, usaria em seu primeiro livro, Anjo dos Abismos (1943), um tom grandiloqüente unido a metáforas visionárias. Já em seu segundo livro, A Linha Imaginária ( 1951 ), adotaria um certo tom prosaico, às vezes humorístico, dramatizando o conflito do temporal com o eterno na vida cotidiana. Tradutor das Elegias de Duíno, de Rilke, Paulo Plínio Abreu, cujos poemas foram reunidos em livro postumamente (Poesia, Universidade Federal do Pará, 1978, Belém - Prefácio de Francisco Paulo Mendes), afinou com a linha espiritualista do modernismo; suas metáforas são símbolos do invisível, da transcendência e da morte.

Saltando do parnasianismo-simbolismo ao modernismo, a poesia de Max Martins ingressou nessa orquestração de contrastes com a publicação de O Estranho um ano depois da saída de Claro Enígma de Carlos Drummond de Andrade, para todos nós um marco decisivo, que superava as tentativas dos próceres da "geração de 45" na direção de uma poesia universal ligando a experiência do cotidiano aos temas permanentes da condição humana.

Mas o parentesco da poesia de O Estranho - precária edição que o autor pagou, a duras penas, em módicas e espaçadas prestações - era com um Drummond muito anterior, o de Alguma Poesia, Brejo das Almas e José, conforme ousei afirmar em "A Estréia de um Poeta", artigo publicado em 52 no jornal "A Folha do Norte", e com o qual me iniciei na crítica literária, depois de haver abandonado, por lúcida e acertada decisão, a arte poética. A procedência desse juízo, que até hoje mantenho, contrasta com o desacerto de outros que recheiam essa crítica sentenciosa e disfarçadamente normativa. Condenava como defeitos, à custa de uma compreensão preconceituosa da linguagem modernista, virtualidades da poesia de Max, para a qual imaginava um tipo de desenvolvimento que jamais teria:

"O Sr. Max Martins apresenta-nos em O Estranho muitos poemas fragmentários que poderiam sofrer um mais apurado trabalho de depuração à espera de amadurecimento."

Jargão muito ao gosto da época: o crítico, granjeiro-horticultor, apalparia os frutos poéticos para avaliar se ainda estavam verdes ou já maduros. O amadurecimento representava um certo padrão de linguagem, mais puro quanto às imagens, mais sério nos motivos líricos, mais essencial na expressão sublimada dos sentimentos, para o qual deveria encaminhar-se o poeta como termo ideal de sua evolução. E escrevia ainda com empáfia professoral:

"A primeira impressão que desperta a leitura desse livro de estréia é a ligação constante de seus versos com o que o movimento modernista teve de superável: o anedótico, a facilidade das soluções poéticas, e o desprezo formal pelo verso como unidade rítmica. Aqui e ali, lendo esses vinte e três poemas, percebemos que o poeta, talvez insensivelmente, adota aquela verve superficial que, estampada nos primeiros poemas de Carlos Drummond de Andrade - e apenas em alguns deles -, foi um mero acidente, sem relação com o humorismo doloroso e irônico de A Rosa do Povo".

A tacada em Max atingia Drummond por tabela. Criticava os dois, fazendo, até na condenação ao fragmentarismo, o jogo dos antimodernistas da "geração de 45". Mas nem a poesia do primeiro se moveria na direção daquele amadurecimento que lhe prescrevia como um término saudável após a cura por depuração, nem foi superficial ou acidental a verve dos primeiros poemas do segundo. A leitura do conjunto da obra de Max revela um outro curso temporal e força-me a criticar a minha crítica.

 

II

"In my craft of sullen art
Exercised in the still night
When only moon rages
-----------------------
I labor by singing light
Not for ambition or bred"


IN MY CRAFT OR SULLEN ART
Dylan Thomas
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Dois fatos relevantes em nossa vivência geracional contribuíram para o desenvolvimento da poesia de Max, ulteriormente à publicação de O Estranho: a convivência intelectual com Robert Stock e o impacto do livro de Mário Faustino, O Homem e sua Hora.

Robert Stock apareceu em Belém na época em que publicávamos a revista "Norte" (três números de 1951 a 1952), com uma rosa dos ventos na capa desenhada por Peter Paul Hilbert, antropólogo do Museu Goeldi, escritor e desenhista. Surgiu ou surdiu como pode surgir repentina aparição, motivo de surpresa e espanto a princípio, e depois, durante os três anos que permaneceu entre nós, objeto de respeitosa admiração. Magro, alto, de óculos, surpreendeu-nos porque, contrariando a impressão dos norte-americanos, deixada nos anos de Guerra pelos bem postos soldados e oficiais dos Estados Unidos que em trânsito para a África e Sul da Itália perambulavam nas ruas da cidade, não tinha a cuidada aparência dos prósperos cidadãos de uma nação rica. O regime de dedicação exclusiva à poesia a que se entregava, sem ser bolsista de qualquer das Universidades de seu país (subsistia com o dinheirinho de aulas particulares de inglês), impusera a esse poeta um hippie avant la lettre, anarquista sem ser materialista, misto de asceta e de esteta santificando a ética, egresso da mesma comunidade de Bir Sur, na Califórnia, a que pertencera Henry Miller, um voto de franciscana pobreza.

Morava na Matinha em barraco de chão batido, coberto de palha, na companhia da mulher, Henriette, uma ex-atriz, da filha Sharon, do macaco Parsifal, de um trumpet preso à parede da pequena sala de entrada, de um Webster gigante, guardado na mala que lhe servia de mesa, e onde acumulava os manuscritos de sua poesia, incessantemente trabalhados, alguns dos quais, traduzidos por Mário Faustino, foram estampados no número 3 de "Norte".

Mário Faustino voltara dos Estados Unidos familiarizado com os poetas modernos de língua inglesa, sobre os quais se entretinha com Robert Stock, o Bob - ou O Homem da Matinha, como alguns dentre nós o chamávamos - e que este nos dera a conhecer em traduções livres, elaboradas num intuito didático. Líamos, semanalmente em sua letra miúda sobre papel quadriculado, versos de Hopkins, Eliot, Pound, Richard Eberhardt, Robinson Jeffers, H. D., Marianne Moore, Hart Crane, Auden, Dylan Thomas, Elisabeth Bishop, William Carlos Williams, Cummings, Wallace Stevens, Keneth Patchen, Keneth Rexroth e tantos outros, mesmo dentre os clássicos, como Shakespeare - sobre cujos sonetos fez numerosas anotações - e entre os românticos, Coleridge e Keats, além dos inclassificáveis Blake e Emily Dickson. Até então leitor de Poe e Whitmann, Max Martins, um dos destinatários das traduções de Bob, retemperou, nessa experiência com a poesia inglesa e norte-americana que nosso comum amigo lhe proporcionava, o seu entendimento da linguagem poética - lição de sobriedade, de comedimento verbal, e também, pelo ângulo dos imagists, de uso econômico da imagem. 

Mas da parte de Bob a lição de poética sempre trazia uma contraparte ética: a moral empenhada à poesia, como valor principal norteando o exercício da arte feito prática de vida; solitária e ascética, acima do ideal burguês de vitória sobre o mundo, o poeta como 0 oposto do self-made-man, auto-suficiente e dominador; ao coritrário daquele que "vence na vida", está inteiramente entregue ao "craft or sullen art" (ofício ou arte severa) do verso de Dylan Thomas. A vitória do poeta seria fracasso aos olhos do mundo para o romântico Homem ou Santo Homem da Matinha, que eu voltaria a encontrar em 1970, já em Nova York, free-lancer em publicidade e ainda pobre, depois de haver publicado seu primeiro livro, (Covenants, Trident Press, New York, 1967), com poemas dedicados a Ruy Barata, a outros amigos de Belém e à memória de Mário Faustino, morto em 1962.

A descoberta do modernismo levara Max a uma primeira crise, que ele resolveu, em O Estranho, recorrendo ao verso-livre. A segunda crise, iniciada sob o amigável convívio de Bob, e que o conduziria a Anti-Retrato (1960), intensificou-se sob o efeito da leitura de O Homem e sua Hora (1955). Ao impacto desse livro de Mário Faustino, que liga a mais refinada tradição do verso à metáfora moderna, juntou-se a ação jornalística do autor como poeta-crítico na página "Poesia-Experiência" ( 1956-1959), que fundou e dirigiu no Suplemento Literário do "Jornal do Brasil". Defendendo a condição da poesia como ofício intelectual sério social e historicamente responsável pelo desenvolvimento da língua, a plataforma doutrinaria dessa ação, apoiada na poética pragmatista de Pound e exposta por Mário Faustino em seus "Diálogos de Oficina", que postulavam a diferença e o entrosamento entre linguagem prosaica e linguagem poética, esta considerada autêntica quando eficaz, e assim criadora de objetualidades novas, contribuiu, tanto quanto mais tarde contribuíram os últimos poemas do jovem crítico, de publicação póstuma - poemas de substantivação dominante e de temas recorrentes, expressamente compostos como "fragmentos" - para o segundo salto poético de Max Martins. Também foi Mário Faustino que assimilou, quer na teoria quer na prática de sua própria arte, procedimentos da poesia espacial dos concretistas, o mediador, naquele momento, do vanguardismo da década de 50 no Pará.

Anti-Retrato avançaria timidamente nesse domínio. Mas foi nesse livro que a temática do amor carnal começou a tornar-se o centro da obra de Max, desde então ligada à idéia de poesia enquanto arte exigente e ao mesmo tempo exercício de vida. A incorporação do espaço como distribuidor de ritmo e revelador visual do significado, o poema passando à categoria de composição topográfica inclusiva de um desenho letrista, icônico, adviria na terceira crise, encetada em H'Era ( 1971 ) e resolvida em O Ovo Filosófico (1975), que precedeu O Risco Subscrito ( 1976), culminância desse período.

Os dez anos entre Anti-Retrato e H'Era marcam o estabelecimento de duradouras "afinidades eletivas" de Max com poetas e romancistas nacionais e estrangeiros: com o Carlos Drummond de Andrade de Claro Enigma e também com o Jorge de Lima de Invenção de Orfeu; com os simbolistas franceses no original, aos quais lentamente acedeu por essa paciência da descoberta, que é a volúpia do autodidata conseqüente; com Gerard Manley Hopkins e Dylan Thomas. Afeiçoou-se a certos prosadores, principalmente ficcionistas, que afeiçoaram o seu rumo de vida e a sua visão de mundo: um Thoreau, a ele revelado por Bob e cujo Walden lhe reforçou o ideal sempre cobiçado, origem da cabana de Marahu na década de 80 como lugar de refúgio, de uma existência individual solitária e autônoma, longe e perto da cidade; um David Herbert Lawrence - o das Cartas, principalmente - que ratificou, em definitivo, a escolha da via erótica; um Henry Miller, que o encaminhou, antes dos pensadores orientais, a uma interpretação mística da sexualidade.

Paralelamente, as sucessivas leituras de Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, lhe propuseram o tema da viagem que aparece em H'Era associado à aventura de travessia da página, lugar de decisão arriscada geradora do poema, como forma indecisa do Destino nas figuras variáveis do jogo aleatório, do "coup de dés" (lance de dados) das palavras.

Em cada crise, interroga-se o poeta sobre si mesmo e sobre sua poesia à busca de novas e provisórias certezas que o ajudem a caminhar. Para o lance de O Ovo Filosófico apoiou-se num certo Orientalismo - a sabedoria contemplativa Zen e a erótica hindu, hauridas no Bhagavad Gita, no Tao Te Ching e nos textos de Suzuki. Nesse momento, quando também entra em contato com a poética de Octavio Paz - os versos de Salamandra e a reflexão teórica de Corrientes Alternas - e com a obra de Edmond Jabès, o trabalho artístico de Max, já estabilizado quanto à sua conformação espacial em O Risco Subscrito, de novo se retempera na relação de convivência com o jovem poeta Age de Carvalho.

Max teve em Bob Stock o seu mestre de poesia. No presente caso, entretanto, não se dá simplesmente uma troca de papéis, o discípulo passando à posição de mestre do mais jovem. Max entra em sintonia com Age de Carvalho, empreendendo ambos, sob a forma da renga japonesa, o poema dialogal A Fala entre Parêntesis  (1982). Nele, os versos de um e de outro, mantendo o modo de expressão que Ihes é peculiar, confluem, distinguidos tão só pela caligrafia de cada qual, nos moldes rítmicos e nos temas previamente adotados. Provocada pela leitura da renga elaborada pelo trabalho em comum de quatro poetas de diferentes nacionalidades - o mexicano Octavio Paz, o francês Jacques Roubaud, o italiano Eduardo Sanguinetti e o inglês Charles Tomlinson (Renga - A Chain of Poems, George Braziller, New York, 1971 ) - cada qual escrevendo em sua própria língua, a dos nossos dois poetas é, como ensina Shinki, teórico desse estilo no séc. XVII, "um exercício espiritual para penetrar o talento e a visão do outro". O confronto entre visões díspares que esse exercício reclama exige um alto grau de consonância afetiva e intelectual, permitindo a cada parceiro retomar, no seu modo próprio de expressão, a experiência diferente do outro. Sem a "afinidade eletiva" que une, acima da diferença de geração, o poeta mais velho, Max Martins, ao mais novo, Age de Carvalho, não teria sido possível esse fazer poético associativo, em companhia.

Max recebia, no final da década de 40, como pós-modernista, a herança de seus antecessores; agora, na de 80, faz de seu natural sucessor na ordem da idade, a quem já transmitiu o legado de sua obra, um colaborador eventual e um companheiro de trabalho com quem compartilha as mesmas descobertas poéticas e escolhas intelectuais: Bashô ao lado de George Tralk, Octavio Paz ao lado de Paul Celan - os quatro homenageados de A Fala entre Parentesis, que ainda mais lhe enriquecem a individualidade poética no momento em que, já firmando em Caminho de Marahu (1983) a fisionomia espacial característica de sua obra, também adota, sob a sugestão do hai-kai, a forma epigramática, em alternância com a forma distensa do poema moderno tradicional. Marcada por essa alternância, a escrita de Max se estabiliza como estilo no livro-pochete 60/35 ( 1986) - sessenta anos de idade e trinta e cinco de poesia - e de novo tende a desestabilizar-se nos Marahu Poemas - os últimos na ordem cronológica e os primeiros de Não para Consolar - que assinalavam, talvez, o sobressalto de uma outra crise.

Da crise que antecedeu a O Estranho a esta de agora, a poesia de Max, longe de ter tido um curso evolutivo tranqüilo, desenvolveu-se aos sobressaltos, descontinuamente, em surtos de criação que formam sucessivos ciclos entre o livro de 1952 e o atual. Não obstante as transformações por que tem passado, um fundo de originalidade distintiva interliga as diferentes fases dessa poesia, atravessando suas crises. A descontinuidade da evolução acoberta a continuidade de certas matrizes ou constantes, perduráveis, com modificações, em seus diversos ciclos, e que caracterizam a poética de Não para Consolar - tomada no sentido do conjunto da obra do poeta - desde os versos-livres de O Estranho. Para identificar tais matrizes, em que assenta aquele fundo de originalidade, precisamos retornar a esse primeiro livro, executando, conforme anunciei, a crítica da crítica que dele fiz logo que surgiu. Como a minha remota apreciação pôs em causa o humor do primeiro Drummond ao qual vinculei a tônica de O Estranho, é por ele, pelo poeta mineiro, que devemos iniciar nosso ato de contrição.
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III

"Êta vida besta, meu Deus"

CIDADEZINHA QUALQUER
Carlos Drummond de Andrade

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Censurando o "humor superficial" de Drummond, era a piada modernista o que eu, de fato, rejeitava. Deveria ter perguntado como Manuel Bandeira em seu Itinerário de Parságada: "E por que essa condenação da piada, como se a vida só fosse feita de momentos graves?" Queria uma poesia séria, grave, esquecendo a permeabilidade da literatura moderna ao cômico, ao burlesco, ao bufo, ao "drolático" (o vocábulo é de Guimarães Rosa). Tanto a piada quanto o humor doloroso e irônico, que transferi ao período de A Rosa do Povo, já se encontravam no primeiro Drummond.

A diferença, por exemplo, entre "Toada de Amor" ("E o amor sempre nessa toada: /briga perdoa perdoa briga"), de Alguma Poesia, e "Cantiga de Enganar" ("O mundo não vale o mundo, meu bem"), de Claro Enigma, é apenas uma diferença de gradação. Se neste último prevalece, sob traço jocoso, a tonalidade trágica dos graves contrastes existenciais, no primeiro, o talhe piadístico, tal como o de "Quadrilha" e "Cota Zero", também de Alguma Poesia, tem por medida o cômico do cotidiano naquela tonalidade morna e tediosa do verso final de "Cidadezinha Qualquer" ("Êta vida besta, meu Deus."), que marca a lírica do prosaico, do vulgar, difusa em Brejo das Almas, José, Sentimento do Mundo, e que O Estranho tão bem absorveu.

Ora, pela expressão sintética, marcadamente elíptica, essa lírica breve, de interrompido surto, aparentando incompletude na composição, às vezes de um único verso, como "Nova Friburgo", de Drummond ("Esqueci um ramo de flores no sobretudo"), quase sempre visando a um rápido registro, à maneira de tomada fotográfica, é, comparada ao encadeamento lógico do estilo poético tradicional, uma lírica fragmentária.

Fragmento pitoresco da modorra interiorana, "Muaná da Beira do Rio", de O Estranho, estampa única de uma "Lanterna Mágica do Norte", que não teve continuação, apresenta-nos esse tipo de flash:
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A velha matriz branca
De portas largas
Sozinha na praça
Olhando o rio sujo
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Na janela do posto do Correio
um cacho de bananas balançando

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A lírica do vulgar, enquadrada numa citação parodística à "vida besta", está toda em "Poema", que sela a umbilical ligação do nascente verso moderno de Max com o humor drummondiano:
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Ocorre-me o poema
Contudo há a religião
A Pátria, o calor

Procuro ver na noite profunda
Quero esquecer no momento
Que sou o homem de vários documentos.
Forço.
Dói-me o calo desta vida "meu Deus!"
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Sob a adversativa do segundo verso ("Contudo há a religião"), Max engendrava uma das constantes ou matrizes de sua expressividade lírica própria - parte do fundo de originalidade arraigado à sua obra: a auto-irrisão, como mecanismo humorístico de encenação autobiográfica, que aparece até mesmo nas suas Elegias, lamento pela morte do pai, em uníssono com a tonalidade de "Confidência do Itabirano", de Sentimento do Mundo, de Drummond, homenageado no verso: "Calço os teus sapatos (mas o teu silêncio como dói)."

No entanto, Max jamais seria um "diluidor" de Drummond. Mas foi Drummond que partejou o nascimento do autor de O Estranho. Ninguém se faz poeta - e nenhum poeta já feito é capaz de mudar - sem a mediação de um outro - de seu maieuta, que o leva a descobrir-se naquilo que tem de original. A relação entre discípulo e mestre, fecunda na atividade do pensamento quando gera o polêmico movimento de identidade e diferenciação de um com o outro, também prevalece em poesia. Na escola do Itabirano, o discípulo paraense sai da casca parnasiano-simbolista de sua adolescência. E tudo o que esse mestre lhe ensina, e que a ele o identifica - da síntese ao humor, da paródia à soltura da prosa no verso, absorvidos na forma e na matéria do livro de 1952 - argamassa as qualidades que diferenciam o discípulo, e nas quais ele descobre não só o tom, a medida, o modo da escrita de O Estranho, mas também três outras constantes de sua obra: o senso parodístico, dominante em "Menina Triste" - uma réplica ao sentimentalismo romântico; a rememoração descritiva, de maneira particular na "Elegia dos que ficaram"; a visualidade abstrata das "metáforas lancinantes", como a do verso de "Elegia em Junho" - "A faca corta o pão separando o tempo em nós" - que emigrará para um poema tardio. Em O Estranho despontará, por fim, graças ao mesmo processo de diferenciação na identidade, o contrastante regime de imagens que polariza a criação poética de Max entre um espaço interior - em geral, a casa e seus compartimentos - e um espaço exterior - com o predomínio da Natureza, ora noturna, ora solar.

Nesse particular, são exemplares as Elegias: um espaço interior fechado (casa enlutada, mesa na varanda, sala vazia) separa-se do exterior aberto (quintalejo, vale). Em "Porto", onde não há lugar para o primeiro, alonga-se o último num contorno marinho (mar, praia), esboço das posteriores imagens preferenciais da Natureza. Os dois espaços se interpenetram em "Varanda", interior aberto, em que o solar e o noturno se misturam:

O café que tinge a xícara
O leite que derramas na xícara
O riso que tens de cabelos molhados

A água fria que espanta a noite
E a angústia das noites
O sol que bate na verde janela
E o vento que sacode a cortina bordada

Dentro do padrão modernista adotado, não se poderia exigir amadurecimento maior. O desenvolvimento uniforme, linear, que eu cobrara do poeta, seria desmentido pela evolução polimórfica e ramificada de sua obra, sob o impulsionamento descontínuo das crises que a tem movido, conforme pudemos adiantar. Se considerarmos a descontinuidade, cabe dizer que essa poesia terá nascido mais de uma vez e que mais de uma vez amadureceu. Porém, aceitando-se para ela a imagem orgânica de amadurecimento, convirá completá-la com a de transformação interna. À semelhança do fruto que se transforma ao morrer, ela tem renascido de cada morte aparente, Fênix rediviva das cinzas de suas crises. Pois aqui morte é sinônimo de paragem no conflito, de um recuo que antecede o avanço - o ponto crítico onde uma nova aprendizagem se inicia: uma "aprendizagem de desaprender" tenacidade de quem tenta se desapegar dos hábitos já estabelecidos de sua própria escrita. Este o método do autodidata honesto, jamais habilitado a conferir-se um diploma de fim de estudos.

Para ele, cultivar a poesia significa estudá-la, e estudá-la, cultivar o conhecimento do mundo através dela. Esse cultivo estudioso tornou-se, menos como erudição livresca do que como um ato de atenção à vida, o capítulo quase único da biografia do poeta, na qual as relações de convivência e amizade têm catalisado momentos de criação. Nessa criação descontinuísta, os ciclos se entrosam, cada qual conservando algo daquele que o antecede e esboçando o seguinte.

A linha parnasiano-simbolista, recuperada pela "geração de 45", prolonga-se no soneto de O Estranho, onde se condensa a linha autobiográfica, que Anti-Retrato - aparentemente um anti-estranho - retoma já na perspectiva da poesia como "trabalho de arte", o que significará a composição intelectualmente controlada do poema, enquanto objeto estético autônomo. No início daquele livro, esse trabalho é figurado metaforicamente enquanto transação com as coisas ou com suas imagens: uma artemágica ou uma difícil artesania praticada por um equilibrista-aprendiz que tenta caminhar sobre o arame tenso da palavra: "Da ponta do arame / a frase / sem(o)equilíbrio / escapa" ("O Aprendiz"). Embora a reflexão sobre a palavra já estivesse implícita nessa  figuração, somente em H'Era, do mesmo ciclo, poder-se-á encontrar a tematização da poesia ou do ato poético, destinada a ser, de maneira explícita, o acompanhamento de todos os outros temas.

Dado que a passagem de um a outro ciclo importa numa mudança de registro ou de clave dos anteriores temas, a encenação autobiográfica não mais se limitará à lírica do vulgar. "Max, Magro Poeta", de Anti-Retrato, uma réplica à "vida besta", embarca num Bateau Ivre de ocasião, vogando sobre um mar de mar, metáfora da poesia fervilhante que em todas as coisas comemora sua amorosa epifania:

Magro poeta, o sol dos muros
ainda anotas
mas, e o sal que escorre
dentro das pedras?

Ao pouso inesperado duma asa,
contempla a mosca:
no seu ventre ferve-lhe o poema

O amor, grande tema que centralizará a obra de Max, anuncia-se em Anti-Retrato na surdina da metonímia do corpo feminino sobre o friso histórico da velha Belém, hoje sepultada, em "Cidade Outrora" ("Os seios de Angelita: eis a cidade/ outrora curva sem princípio e bruma/ onde a aurora nascia dos parapeitos lusos /..."), ou no mar noturno de "Amargo", onde bóia o "mênstruo da madrugada". Mas é só com o pleno advento da carnalidade em poemas como "Copacabana" ("Preamar de coxas/ sugestão de pêlos/ úmidos/ no verde mar azul /...), "Tema a", ("Ocaso duro coito/ dos cactus/ nuvens menstruadas/ testículos/ entre espinhos/ ...) ou "Variação do Tema a" ("Meiodia entre o macho/ a pino/ e a fêmea tensa/ ao meio/ ...), que as imagens da Natureza alcançam porte cósmico. Em grande número, essas metáforas cumulativas, incisivas (ou "lancinantes", na terminologia de Osvald de Andrade), em enunciações que descrevem ou rememoram, sexualizam a Natureza e naturalizam o sexo. Dir-se-ia que tais versos logram, por um efeito hiperbólico das metáforas, apresentar, no aumentativo, o entrançamento congênito de linguagem e sexo que um George Steiner aponta ("Les fibres de la sexualité et celles du langage sont en étroite relation". Réelles Presences, Gallimard, 1990). Essa "estreita relação", favorecida em Anti-Retrato e H'Era por vocábulos marinhos e/ ou fluviais (mar, preamar, maré, praia, ilha, rio) e por termos orgânicos, vivos e residuais (tendão, fibra, sangue, raiz, pêlo, etc.), é o permanente lastro de uma interdependência cada vez maior, a partir dessa fase, entre a tematização da poesia e a tematização do amor. Eros e Poiesis serão a cara e a coroa do mesmo trabalho de linguagem. A Poética equivalerá a uma arte erótica que veicula, sob o tropismo fálico do corpo feminino, o labor reflexivo do poeta com a matéria das palavras.

 

IV

"A Palavra é o falus do espírito
enraizado no centro
"

PROBLEMAS DA LÍRICA
Gottfried Benn
.

Daí também deriva, com o substrato orgânico das imagens prediletas do nosso autor, a carnalidade do mundo - corpo único, feminilizado, de que as coisas são as zonas erógenas, e que tende a fundir num só espaço a diferença entre o interior e o exterior anteriormente referida.

"No princípio era o verbo", intitula-se um dos poemas de O Risco Subscrito. À semelhança de outras réplicas a textos sacros do Cristianismo, como o Tantum ergo em "X" de H'Era, na qual se reinveste a matriz do senso parodístico, essa glosa do Evangelho de São João atesta a amplitude religiosa da Arte Erótica, que possui o ser amado no corpo do mundo, fruindo-o e recuperando-o no gozo da escrita.

Assim, Koan, emblema místico da correspondência entre Eros e Poiesis, evocando um aforismo Zen ("A pá nas minhas mãos vazias"), pode celebrar, exultante, a uniâo de dois numa só carne com a penetrante escavação semântico-etimológica de venérea e venerável palavra castiçamente latina (fodere=cavar), que lhe serve de eixo:

Cavo esta terra - busco num fosso
FODO-A!
agudo osso
oco
flauta de barro
sôo?
.

Situado no círculo metafórico onde agora entra o leitor, o poeta pratica sobre a linguagem um tipo de reflexão que seria, em grande parte, o cumprimento da grande metáfora desse poema: uma escavação de palavras, desarticuladas, decompostas, desventradas. Atente-se, porém, para a ocorrência de significações negativas - fenecimento, desgaste, corrosão - obsessivamente disseminadas, de H'Era a Caminho de Marahu, em contraposição à posse amorosa, nos mesmos poemas que a celebram. Assim, por exemplo, no poema-título H'Era, o verde solar, elemento afirmativo (sim), equivalente a sêmen, a relva, a rio, fenece na recordação que o preserva - "amor tecido contra um muro". A morte, antecipada nas significações negativas, associa-se à fruição erótica. Mas, por outro lado, nessa alegoria do poder destruidor e transformador do tempo, suplente da morte, agindo por intermédio de antagonismos indecidíveis - amor e desamor, sim e não, presente e passado - o rebate trocadilhista entre expressões ("Em verdes eras - fomos/hera num muro/...") fixa-se no "desenho" da palavra central, hera, interrogada, semanticamente desmembrada, escavada (hera, era, eras). Escavação semelhante reduz o verso a um esqueleto gráfico, como no início de "X":

A tarde era um problema
(emblema)
a
re
(sol)
VER
.

Dessa forma, nos dois poemas, há como que uma violentação da linguagem, corroída por efeito de sua própria concreção. Uma vez que são equivalentes a Arte Erótica e a Poética, a poesia e o amor seguem, conjuntamente, uma mesma curva de declínio, de turvação, de esvaziamento.

A condição desfalcada do amor, tanto quanto a da poesia - saqueados pelo "temporal ladrão" - respondem pela tônica de pessimismo trágico, dominante de H'Era a Marahu Poemas, e toda concentrada em "Madrugada: As Cinzas", de Caminho de Marahu:

Madrugada, as cinzas te saúdam

De novo moldas contra a penumbra, maldas
o galo do poema, a tua armadilha, o fogo
ardendo cego nos desvãos do sangue
--------------------------
Riscos se entrelaçam, fisgam a mosca do deleite
e já a ruína
tenaz, fibrosa, agônica sob a folhagem, mostra
o olho menstrual e sádico do destino
---------------------------
De tudo, madrugada, a dúvida traça um rosto
exposto neste espelho contra o sol: O soletrado
calcinado

 

Acrescenta-se a calcinação à mesma cadeia negativa a que pertencem o fenecimento e a corrosão. Mais ainda: essa cadeia toma o vulto impessoal de implacável Destino. É o aspecto que não deve omitir quem se disponha a compreender o erotismo em Max.

Se é verdade, como diz Unamuno, em seu El Sentimiento Trágico de la Vida, que o amor sexual é o tipo gerador de todo outro amor, não é menos certo que uma genuína poesia erótica é, antes de tudo, como a de Max, uma poesia carnal - do corpo todo, em sua potência expressiva, tanto anímica quanto erógena, não apenas genital. Anteriormente destacado, o tropismo fálico, movimento atrativo, é, como reserva da imaginação, o regulador, nessa poesia, da analogia entre a ação da palavra e a fruição, real ou irreal, do corpo feminino. Nas celebrações amorosas de nosso poeta, o falus não é triunfal: rei sem coroa, destrona-o manual artesania. Outra figura obsessiva, "a mão impura", "a mão solitária", "sinistra", ou "monossilábica", visita, espectral, as celebrações de Eros, agravando, com uma nota de culpa, de mergulho escatológico na impureza, o pessimismo trágico antes mencionado.

O espaço do mundo carnalizado - espaço do desejo - une o interior e o exterior num só recinto fechado: ... "a noite me escrevendo:/- jaula do silêncio" (Caminho de Marahu). Segundo outros versos, o desejo, fera enjaulada - o "Amargo Id/ e ígneo tigre" de "Ideograma para Blake", também de Caminho de Marahu - ronda impacientemente entre grades. Mas o desejo é sofrimento, segundo o Budismo, que ensina a libertação pelo nirvana - anulação, esvaziamento, tal como em "Mútuo Contínuo", de Caminho de Marahu (Samsara é nirvana, nirvana é Samsara). Passando além do objeto desejado, o erotismo, seja o Ocidental, em Platão, seja o Oriental, da Ioga, é trânsito, passagem, tentativa de domação do tempo, eternização do instante, como sugere a imaginação do êxtase na obra de Max, mormente em "Maithuna", de O Risco Subscrito. Há porém, nessa obra, uma resposta compensatória à contraparte negativa da carnalidade do mundo: as metamorfoses do Eu. Concomitantemente ao ensaio de espacialismo, verifica-se em "X", juntamente com a velada paródia do Tantum ergo, que sacraliza a sexualidade, expandida numa simbologia escatológica, uma tentativa de impessoalização: Um Eu distanciado reaparece no verso final, em terceira pessoa, como espectador ("Estendido sobre a grama nu o poeta ruminava...").

No poema-título, "H'Era", já referido, eleva-se um associativo "nós", que fala por muitas vozes. Freqüentes serão daí por diante as variações ou metamorfoses do Eu. É um Eu viajante, narrativo, o sujeito de "Travessia" - série de quatro poemas do terceiro livro do autor, que fundem a itinerância sertaneja do Riobaldo, de Grande Sertão: Veredas, à viagem do Bateau Ivre iniciada em Anti-Retrato. Primaveril, oceânica, humorística, a viagem, que parte do "amor mais que perfeito para o Equador", e onde reaparece, forte, o espírito de auto-irrisão já assinalado, termina no limo-limbo amazônico:

E veio Amor, este amazonas
fibras           febres
e mênstruo verde
este rio enorme, paul de cobras
onde afinal boiei e enverdeci
amei                  e apodreci.

O artifício de encenação autobiográfica tem agora por palco a ambiência regional, que requalificará de apodrecimento, como um fado telúrico, a anterior corrosão do amor e da poesia. Cada um dos versos de "Travessia IV" é um fragmento de "idéia" sobreposto a outros fragmentos; o espaçamento, que aproxima e distingue os semelhantes (fibras/febres) e os opostos (enverdeci/ apodreci), prenuncia a visualidade, que é também uma tentativa de dicção impessoal, não rememorativa, de O Ovo Filosófico.

 

V

"Todavia
(toda via é verso inacabado?)
lançam-se os dados"

TRAVESSIA 2
Max Martins

Os antecedentes mais próximos dos dois poemas geminados pelo tema mítico-poético do ovo, que remonta à vetusta tradição órfica, segundo a qual a Noite engendrou o ovo de asas negras do qual nasce Eros, dando princípio ao Cosmos, são os "Poemas do Ovo", de João Cabral de Melo Neto e o conto "O Ovo e a Galinha", de Clarice Lispector.

No conto-enigma da romancista de A Paixão segundo G.H., o ovo, ao mesmo tempo um objeto concreto e abstração de todos os objetos, é a palavra "ovo" desencadeando a fantasmagoria verbal de associações proliferantes que terminam por turvar os significados comuns do vocábulo na linguagem corrente. "E eis que não entendo o ovo, escreve Clarice Lispector. Só entendo o ovo quebrado". Se queremos entender o objeto fora da palavra, captamos uma abstração. Dizer "ovo" antecipa o uso da mão que o quebrará para prepará-lo. "Ver o ovo é impossível?" Nossa visão pura do objeto já está desviada pelo significado verbal. Assim o conto de Clarice é uma experiência do ofuscamento que a linguagem exerce sobre quem escreve ou lê.

A série de quatro poemas de João Cabral sob título comum, intenta, ao contrário, descrever o ovo como se captado por uma visão e por um tato sem subjetividade, o poeta operando através de enunciados hipotéticos compatíveis entre si: o mesmo objeto, para só falarmos do primeiro poema, deixa-se ver como coisa branca comparável às pedras; mas apalpado, a mão descobre que nele há algo suspeitoso:

que seu peso não é o das pedras,

inanimado, frio, goro;
que o seu é um peso morno, túmido,
um peso que é vivo e não morto.

Por mais que tenha sido motivado por esses dois tipos de escrita poética ovípara, O Ovo Filosófico é uma versão ímpar do descritivo-hipotético cabralino e da aturdida visualidade do conto de Clarice. O mais notável dos dois poemas de Max consiste na troca de posição do olhar, na permuta entre ovo e olho, um sendo o outro ou produzindo o outro. Estratagema da poesia: a troca de posição dos dois objetos resume-se num intercâmbio de palavras com morfologia semelhante, ambas de duas sílabas, ambas emparelhadas na página:

o olho
do ovo
------------
o ovo
do olho

Essa troca favorece uma simulação: o fingimento do condicional (Se/ fora do foco/ do ovo...), pois que o hipotético entra aqui transportando e disfarçando a subjetividade reflexiva do sujeito que o poema de Cabral aparenta dispensar. Além disso, tanto o ovo quanto o olho, em vez de vistos ou apalpados, são objetos descritíveis, oferecidos à vista quando lidos, e por ela "apalpados" em suas letras componentes entrelaçadas no caligrama e no signo gráfico finais. Clarice busca salvar o objeto da capa simbólica da linguagem. Para isso multiplica as palavras. Tentativa de desencantá-lo, aturdindo o leitor. Tomado por ilusão contemplativa semelhante, Max convida à leitura como um ato de ascese dos sentidos; em vez de multiplicar as palavras, reduz o texto à convergência gráfica das duas que lhe servem de tema. Porém é preciso grafar a forma do que se contempla; e ainda dizer o que significam os dois V entrelaçados ("Um olho novo vê do ovo"). O poeta pode sair de si na palavra identificadora, mas não sai da palavra; ao contrário do místico que só entra na linguagem para contar-nos sua já decorrida experiência inverbalizável. Contempla quem lê. O simulador ou fingidor que escreve está envolvido no livre jogo poético de que ovo e olho são peças permutáveis numa partida em que se arrisca o êxito ou o fracasso do poema em via de realização. O lance de "Um Olho novo vê do ovo" bem como de seu homólogo "Poemovo" é a pergunta que guia a demão do jogador: Como pode ser gerado na página um objeto verbal novo, ao mesmo tempo legível e visualizável?

Poderá ter sido essa, parece-me, a indagação correspondente à terceira crise, surgida, entre H'Era e O Ovo Filosófico, e de que os poemas desse livro trazem a resposta problemática. O pensamento Oriental com que o autor se familiariza nessa fase, e que reforçaria a sua interpretação mística da sexualidade, também favoreceu, pelo ideal da contemplatividade, uma atitude atenta à fisionomia das palavras, ao "desenho" dos significantes.

No entanto, a relação de um poeta com as palavras é tão contemplativa quanto ativa. As enunciações são atos de linguagem. Em poesia, esses atos traduzem um conflito de atitudes. Um poema, esclarece Keneth Burker, em sua Philosophy of Literary Form, "do something" (faz alguma coisa) para o poeta e seu leitor, porque é modo de ação verbal. Além da fisionomia e do "desenho" dos significantes, importa o que as palavras fazem imaginativamente. Reforçado na produção de Max nas três últimas décadas, esse aspecto "cabalístico" das palavras, em correlação com o efeito criador do Verbo, da palavra escrita, no pensamento hebraico, que lhe foi transmitida por Edmond Jabès, opõe-se ao anterior ideal de contemplação extática.

O antagonismo entre os dois ideais foi benéfico a Max. O artista-aprendiz conseguiu equilibrar-se entre grafia e entonação verbal, entre verso e contra-verso, entre canto e contra-canto. No trajeto de O Ovo Filosófico a O RIsco Subscrito, alternam-se e misturam-se o visual e o discursivo, o estilo de concentração estimulado pela poesia espacial e o modo lírico reflexivo. A disponibilidade do espaço praticada naquele livro consolida-se no último. Em ambos, porém, os versos fragmentados, recortados em unidades mínimas de ritmo e significação, refazem uma discursividade mais tensa, espasmódica, de súbitas estridências e silêncios interruptivos, de subentendidos e riscos subscritos, como traço do decalque de uma palavra represada ou reprimida noutra. A logofonia concorre com a logografia dentro da desenvoltura lúdica atingida pela poesia de Max.

O primeiro sinal dessa desenvoltura lúdica é o espacejamento rítmico, ou seja, a distribuição espacial das palavras segundo um ritmo semântico, a pausa realçando a significação. Não abolido, o verso permanece, conservando sua força enunciativa, com a ressonância de rimas ocasionais, como em "No princípio era o Verbo" (frui/ rui... verso perverso) e "Para sempre a Terra" (do segredo/ Do degredo... Que ele lambia.../ Que ele escrevia.../ Que ele cobria).

O segundo sinal da mesma desenvoltura é a pletora de recursos formais: ressonâncias, correspondências paronomásicas (por exemplo, vaso, vasa; afaga, afoga; barro, Barroco), trocadilhos (como "ver (dor)" em "Travessia e Residência", "sub/ju(l)ga-me" em "Um Campo de Ser", "alpha de alar/phalar" em "Enterro de Ossos"), pares de oposições (falar/calar; praia, deserto; ver/ouvir, etc., etc.), glosas, paródias, entrechos, acentuações dramáticas. São lances de um grande jogo de linguagem; o artista-aprendiz torna-se Magister Ludi.

Outrossim, não se pode omitir que a tais recursos se conjuga uma disponibilidade propriamente lúdica, manifesta na recorrência de temas - como o da Viagem - e de motivos - como o da Casa - passando de livro a livro, nas versões diferentes de um mesmo poema ("Túmulo de Carmencita", 1960, reescrito em 1976 e 1986) e no aproveitamento reiterativo de imagens disseminadas em composições de períodos distintos, a exemplo da "metáfora lancinante" de "Elegia em Junho", a que já nos referimos, refundida na estrutura reiterativa de "Tempo":

o tempo
em nós
separando o tempo
em nós
o pão separando o tempo
em nós
corta o pão separando o tempo
em nós

a faca

A par das matrizes, essa ordem de variações do jogo de linguagem, equivalente ao processo de tema e variações na música, possibilita o entrosamento material e formal dos vários ciclos de criação coligidos em Não Para Consolar. Embora ciclo signifique círculo, e círculo seja uma curva fechada, a criação poética ora estudada nem se retraiu ao apelo da ambiência regional invasora, absorvida no traço telúrico de suas imagens da Natureza, nem permaneceu insensível às intimações políticas da experiência histórica.

Ultrapassando a época da geração de 45, durante a qual começou a projetar-se, a poesia de Max - no melhor sentido poesia de circunstância, aquela de que "a realidade fornece a ocasião e a matéria" (Goethe, Poesia e Verdade) - sintonizou nos anos 50, não apenas com a vanguarda estética, mas também com a política, dando-nos então um dos mais genuínos produtos do engajamento da palavra poética: "Ver-o-Peso" largamente difundido e imitado. Atraído pelo novo sem ser novidadeiro, o Magister Ludi, hoje mestre de outros poetas, discípulos seus, confessos ou disfarçados, ainda não parou de aprender.

Verifica-se, por certo, em Marahu Poemas, para retomarmos observação anterior, uma desestabilização do estilo firmado em 60/35. Em conjunto, essa primeira secção da presente coletânea é uma espécie de recapitulação das diversas dicções, incluindo a forma epigramática, que o autor tem praticado. Todavia, vislumbra-se uma indecisão no regime das imagens e uma oscilação na consolidada conivência de Eros e Poiesis, que denunciam uma crise do pessimismo trágico. 

Na verdade, todas as vias percorridas por esse "camaleon poet" (Keats) são inacabadas e recomeçadas. Talvez um novo começo já se tenha produzido em Para Ter Onde Ir, livro ainda inédito, série de vinte poemas escritos segundo as regras do jogo da sorte prescrita pelo I CHING, e nos quais paira a serenidade da aceitação do Destino. Lançando esses dados, o Magister Ludi parece afirmar o trágico da vida e do amor sem a resignação e os artifícios de evasão do pessimismo. 0 amor fati nietzscheano ressoa em "A Fera":

Das cavernas do sono das palavras, dentre
os lábios confortáveis de um poema lido
e já sabido
voltas

para ela - para a terra
maleável e amante. Dela
de novo te aproximas

e de novo a enlaças firme sobre o lago
do diálogo, moldas
                  novo destino

Firme penetra e cresce a aproximação conjunta
E ocupa um centro: A morte, a fera
da vida
te lambendo

Para o Eu que desponta nesses versos, em nova metamorfose, caem as "grades" do mundo. A "fera" do desejo não o atormenta e a Arte Erótica abre-lhe o caminho da sabedoria.


PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

 

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