O POETA DOS CIPÓS

Poetar com cipó num grande espaço em branco, é desenhar o mundo com um encantamento próprio de quem veio da mata trazendo consigo o tom de sua beleza: o cotidiano. Klinger Carvalho é isso, um caboclo selvagem que rompe céus e mares com a linguagem própria de seu oficio e transforma em arte tudo o que toca, com leveza, com precisão, com emoção e conhecimento. Arranca do nó a fortaleza, da canoa a possibilidade de outros rios e da rede a leveza de sua fala. Para ele o céu não é céu enquanto não se tenha vivido plenamente a terra, o chão, "lugar ressequido de seus nomes", em cerimônias do viver que aprendeu a contemplar num entrelaçamento mítico e místico, cuja morte, amor, vida são elementos constantes de sua reflexão.

 

 

Com as mãos o "poeta" busca o discurso de sua obra, ela fala por si e desvenda os rituais do cotidiano encantado das lendas e o desencanto das "deslendas" e numa atitude estética que denuncia e instiga, estremece a consciência e pede clemência. E pede clemência por todos: selvagens, não selvagens; urbanos, não urbanos, é a vida do homem que vale.

A poética de Klinger é sinalizada por um humanismo que encanta e incomoda por que vai buscar no drama do cotidiano e nos seus rituais a convivência com as contradições: diante da destruição a construção, diante da morte a vida, diante do silêncio o grito e nesse percurso insere-se no mundo de cada homem e por ele assume a sua defesa provocando no espectador reações de estranheza, de espanto, de adesão, de indignação, de reflexão, mas ninguém fica indiferente.

É incontestável a importância de Klinger neste momento histórico das artes plásticas. Sua estética que emociona põe em discussão padrões convencionais e rompe com o que está posto, não mais transformando, mas dando forma a novas realidades que embora não dissociadas da matéria inicial e do seu significado, transcendem o real e objetivamente assumem o discurso próprio.

Tomar o cipó, a canoa, a rede, o barro, o alguidar, a cuia e deles abstrair seu carater puramente regional para inseri-los num mundo mais amplo dos conceitos tendo como referência o seu estar no instante de sua criação, faz a sua obra mais plural dentro da dinâmica dialética da contemporaneidade.

Conceição Loureiro


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