A DIALÉTICA DA INSTABILIDADE Um discurso de quem sabe ouvir a voz do tempo
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O Klinger que conhecemos como um nome expressivo das artes contemporâneas paraenses, alcunhou, desde muito cedo, seus passos na crença de um mundo sem fronteiras, onde o limite era sempre o próprio homem. Essa visão antropocêntrica fê-lo, aos catorze anos, sair de sua terra natal, Óbidos, e caminhar por outras terras da Amazônia que somatizaram ao estilo e aos conteúdos encontrados hoje na sua produção artística. |
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Das experiências que acabaram delineando sua trajetória nas artes visuais, uma quase desconhecida produção de entalhes em madeira, denunciava sua fixação pela realidade amazônica e pela tridimensionalidade. Evocando um historicismo que remete-nos às origens da escultura pré-renascentista, sua produção dessa época (início da década de 80) caracterizava-se pela luta da forma com a matéria, numa tentativa de emancipação. Incursões na literatura, na música e na pintura... uma inquietude que incomodava aos olhares de quem buscava nele uma definição, quem sabe para classificá-lo nessa ou naquela categoria. Entre tentativas e êxitos, o processo artístico de Klinger foi tomando forma e a maturidade do ser apresentava resultados perceptíveis na configuração da obra plástica. Uma adesão cada vez mais apaixonada impregnava seus passos. |
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A humanidade em Klinger fazia-se mais sentida, brotando em "Reflexões" e exposições coletivas. "Kuruatá de Inajá" é, certamente, a principal referência do encontro entre o artista e a matéria, varas, cipós, cuias, redes, canoas, terra, "insight" agora concretizado; rabiscos, esboços, descrições guardadas em pequenos pedaços de papel, em agendas e cadernos, tomaram o espaço da Galeria Theodoro Braga e instigaram espectadores, críticos, artistas que circulavam por entre objetos da cultura ribeirinha, como circulam os peixes pelos igarapés. No Museu da Universidade Federal do Pará, Klinger experimentou pela primeira vez o prazer de trabalhar a monumentalidade, surge o que alguns chamam de "estética do precário", mas o que seriam suas obras, esculturas ou instalações? Não precisa haver no artista nenhuma preocupação em elucidar questões de ordem. Suas interrogações percorriam os caminhos do diálogo da forma com o espaço arquitetônico, que redundaram na pesquisa dos modos de fazer relacionados ao espaço ambiente. |
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"Terra e Transição" guarda em si uma certa perspectiva de "arte processo" e no dizer de Pareyson(...) o processo é a obra em movimento...(1993). Para klinger é também a possibilidade de estabelecer uma "perfeita dinâmica" entre museu/artista/obra, desse modo o artista propôs-se a uma vivência demorada no espaço da instituição, passando a maior parte do tempo produzindo grandes esculturas transmutadas em instalações que são importantes elementos para a discussão: museu, espaço de produção, exibição e coleção dos objetos artísticos. Contribuições à parte, a exposição está revestida de uma formatividade exuberante, para não dizer monumental. A arquitetura das obras faz referência ao modo de construção dos primeiros colonizadores, cuja sobrevivência do ofício manteve-se na periferia de alguns municípios do estado e da própria cidade de Belém, que ainda possui construções em taipa de pilão. Na exposição este registro compõe uma visualiade transbordante a qual inquieta e fascina, ao nosso ver, por assumir uma intensionalidade sistemática, depreendida do olhar banalizado, cultivada em depurações estéticas ao longo dos anos. |
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A matéria impõe-se ao artista, são os mesmos - barro, cipós, varas, canoas - elementos conhecidos do fazer artístico de Klinger, propondo formas singulares ora pela unidade, ora por muito mais que dualidade. A resultante é uma multiplicação de categorias artísticas que tangenciam de forma poética, quase musical, a performance, o conceitual, o minimalismo, o "earth art", o povera; em esculturas e instalações que desvendam um ser contemporâneo universalista, cujo diálogo com a realidade próxima busca apelo na formalidade vigorosa. |
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O sentido de humanidade que permeia a exposição, está codificada na imaterialidade do saber tramar a matéria e seus conteúdos imanentes, fato que redimensiona o conceito de patrimônio; na relação numérica que metamorfoseia-se pela repetição de formas uma tônica do mundo atual, cibernético; na escolha do retângulo como predominância o simbolismo da instabilidade e imperfeições humanas; são fragmentos de um discurso filosófico que afloram sentimentos e idéias numa obra que transpira a própria pessoa do artista. Um homem que sabe ouvir o discurso silencioso do seu tempo. |
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