.
quando fui buscar as flores
borboletas haviam nascido
confusas
suas asas batiam
nas cores
lilás era um dia preso
pedras e limos
grumos e crânios

você não estava no lugar
foi buscar no passado
um pedaço de lembrança cortada
fazia uma ferida
e a chuva lavou
o instante

hoje creio que silêncios
preenchem

vazios
e perfumes
são amuletos

palavras
são apenas palavras

e acabam voando um dia...

TEMPO

um dia em que olhares nos olhos do fogo me verás

entre as pedras do tempo

quando quiseres falar

já não haverá vento que te leve

porque quando me procurares

já não estarei mais

puxarás em teu coração o pássaro azul de Bukowsk

algo preso

como um silêncio cego

do livro da morte

o passado azul empalhado

dentro do teu peito quente/frio

do amor ilusão

quando quiseres me ler

lerás as cinzas

do que queimaste em carne viva


um brilho de fome

permanecerá em ti

permanecerá em ti

permanecerá

em ti.

DESERTO CÃO

aqui é noite no deserto cão
o mundo faroeste, entre inimigos e inimigos
ele é um vale... um deserto onde os homens se perdem

daqui mesmo, onde o olhar se reparte, da miragem da estrada seca até a caveira do gado
os ranchos de madeira que a ferrovia entrecorta

vejo todas as coisas submersas em seu sentimento. Coisas que profanamos sempre, sem nenhuma ternura, burlando os eternos laços dos rituais sagrados

nessa hora perdida se fundem pedaços e o vazio preenche o horizonte
nada além do que uma mesquinha vida
de armadilhas armadas

aqui é noite no deserto cão
nem mesmo as sombras do jasmim caem sobre o chão neste verão seco, cheio de luas enormes
onde o vento traz desejos

mundo faroeste
mocinhos, bandidos e bandidos se compensam em iguais

daqui mesmo vemos todos nas tempestades de areia
aos rifles e ao estilhaço
das espingardas

aqui é noite no deserto cão
e o dia é de pó, sangue e suor dos homens
que se destinam
a uma terra
que jamais terá dono,

será como as noites
de veludo e carne
entre faunas de pedra
e luxúrias do céu negro

nada lhe dará vínculos
onde possa arder o mesmo rosto do sol no crepúsculo
e nada mais se poderá fazer

cansamos do ácido
das fantasias de robôs

cansamos do que não signifique
enlace

aqui é noite no deserto cão


hora perdida
hora de pedra
hora de uivar para as cinzas da lua.

O Fazer da primeira pedra

devoro a asa
em vôos
viajo
 
volto um dia
e enterro o medo de partir
 
daqui não volto mais
invólucro-pedra
.
atirar-me ao abismo
ao eco
ao aço das paredes
ao abraço de minhas asas
.
retirar-me dos lugares
entre raízes
ser como as folhas.
.
um dia sem a mesma sensação
dei-me à esmo pelos caminhos mortos
fiz a ponte
fiz da primeira pedra
atirar-se do rio como suicida
atirar-se bem longe
sem mira
para poder ter
o domínio
das mãos
tirar de perto a origem
a miragem do moinho
a moer grãos
de um passado liqüefeito
.
nunca mais
viver de passagens
viver de miragens do mundo
viver de grãos
nunca mais.

dentro do pássaro
a palavra voa
livre - mente.

dentro do livro
a palavra
solta as asas

o livro é um pássaro
solto
nas palavras.

.
"Blade runner"
.

Ele
ela
bonecos de cera
na rua, piche
no ceu,
oito aviões supersonicos
nosferatu nos museus
um beijo que acaba no vacuo.

.
.
Pássaros mortos empalhados enfeitam os fios elétricos da parte mais antiga da cidade, cenas de cinema mudo, música? Apenas o grito do vento seco batendo nos tubos ocos dos esgotos.
.

Josette Lassance
jlassance@gmail.com