Outra manhã 
A Roque, Cláudia e José Antônio
.
Por detrás do verde monte
(não-verde-oliva
não-verde-musgo
verde-não-verde
não-verde-mar)
.
por detrás do verde monte
(não-verde-mata
.ver de perto: entulho)
por detrás do verde-azinhavrado monte
de sucata, surge sujo
.
grafitado
- cicatrizes, placas, logomarcas
confusa cabala, restos de cartazes,
frases, chagas - crivado de balas
.
o
sol
.
e ao fundo
o canto imaginário do galo
garganta
jorrando
do pescoço decepado
(gargalo)
ao esgoto escuro
o sangue
reencarnado:
outra manhã no mundo
.

irmã de outro
frio, de
dentro

 


in
(o
pássaro
alça
seu vôo
em br
asa)
verno
.

Li Shang Yin, li-o
E não a vi, não a vejo
hoje
.

Raio parta o vento leste
se não leste
isto: vento

casulo sonoro
desenclausurado
para teu olvido

À tua senda ainda há tempo?

Sedentos de poeira
os cadarços da partida
.

A .P.P. Conduru
As Traças
.
devoram este
deserto — leito
de vento branco
e negros esqueletos
trazidos à luz
.
traçam
.
um leve murmúrio
de sombra nos muros
que envolvem a
.
voz
.
Somente o mar
.
Inútil
ora, O
relógio
roendo
apalavr
hoje
fugindo
pêlo-musgo que se alastra
.
.
A eternidade
há-de
desatar os pêndulos
dissolvendo-os
nas águas
.

À espera

À espera, de pé, na pedra
entre a esfera verde do mar

e a estrela que a cada
noite se aproxima, falas

cada vez mais mudo,
numa voz que escuta o fundo

de outra voz que vem
e diz-não-diz em eco,
hein, idioma de algas
algo assim num som surdo:

nada, vestido de corpo e carma,
enquanto se dissolve o mundo

Rio Silêncio

Entre estrela e miséria o rastro
do viajante risca o caminho, entre

o aroma da rosa azulada que à beira
da estrada ascende ao topo da noite

e o fedor da chaga, que, à outra beira
da estrada estende e abre a mão de

cinco pétalas, desabrochando numa
súplica à margem de lama

O viajante dilata as narinas ao passar
pelo aroma da rosa azulada — estrela

de braços abertos no céu da estrada,
e estende e tenta dar a mão à chaga

que quer florir acima da urtiga
e da lama à margem avermelhada

De quando em quando o caminho se bifurca
e atrai para os lados a atenção do viajante

que procura manter seu curso
enquanto a sereia canta, chama

à flor de uma poça d’água — poço
de lodo sem fundo a cada encruzilhada

(Do livro Rio Silêncio, de Antônio Moura, Lumme Editor, 2004)