Solidão

 

fuga, faz
baldeia
refaz caminho
e diz murmurejando:
“adeus solidão”

coração, chão de pedras
vontade de sofrer
saudade só se desfaz morrendo.

Livro: Face dos Disfarces



 

Poesia em mim

 

a poesia é um rio
             sem leito

             margem

imagem de agora
sem fim
                      enfim
em mim.



 

Quase urbanitário sem alma
                                                          

aquele rio que lambe a margem
é o mesmo
que deliciosamente
afagou meu passado
sou caboclo ribeirinho
preso no tocante urbanitário

 

ecoa em minha solidão:
o chão a chiar em folhas secas
galhos que retorcem minhas retinas
aromas a me dizer:

tu é caboclo ribeirinho, pega teu
barco e vá navegar teus sonhos!”



 

           Se te olho
reolho
           me olho

            te vejo
revejo
            teu jeito
rejeito
            sou cego.

 

 

Desse tempo, temos amores múltiplos
que ressoam como arrulhos de piedade.
O olhar vaga, vaza nas tardes
que devoram as amadas em silêncio vegetal.

Somos esta terra, trucidadas pelas moléstias,
enganada pelas madrastas de incenso na mão
a batucar tambores em sangue ardoroso
de enfeites, danças e velas coloridas, ilusão.

Esta manta negra, que cobre nosso corpo,
carrega o dorso dos dias inseguros.
Estes olhos ressecam, mas, não cegam.
Eles dilatam em instantes, insistem em esperanças.

Palpita esse coração insano
recolhe as vagas lembranças do passado sujo
desaba, retinindo aos ouvidos
um canto enigmático e tão quimeroso quanto o amor.

No rodopiar das canções balbuciadas em letras estranhas,
bailamos claussurados pela marola que afaga a foz.
Bebemos as coisas lindas pendente nos sonhos
com mãos enrugadas e crassas, acariciando a face incrédula.

Nosso passado infindo canibaliza deuses.
Assombra, como muros fixos, enlodacentos,
naquela cor escura, horrenda, de odor inexistente,
o que resta do incômodo amor.

Tatuemos com volúpia o ato de amar,
atingindo o instante que arde na transparência da tarde,
cicatrizando o fluxo derramadiço dos desejos.
Partiremos, com as mãos cerradas, a ver paisagens ilusórias.



 

Um “Rebanho de pedras
não se cria
                      recria
cada aroma
traz insígnias perduradas
um pêndulo incomodante
nas lembranças passadas

as roupas coloridas
balangando na beira do Itacaiúnas
é o “Quaradouro” de uma vida
                                                       inteira
porque “Esta Terra” é o anjo torto de Drummond
que o fez singrar sem porto.

 

 

plágio de ideias pra Marabá

pro poeta Manuel Bandeira,
com a licença do plágio de ideias

vou-me embora pra Marabá
lá, sou amigo dos Rios
lá, tenho a felicidade que quero
no ramo, rumo que escolhi
vou-me embora pra Marabá!

vou-me embora pra Marabá
lá é que sou feliz
do meu jeito que sou
posso lá, ser multi
caucheiro, castanheiro, garimpeiro...

na solidão, mando chamar a
Matinta Perera, a Porca de Bobs,
o Boto e a Boiúna
pra me contar as histórias
que no tempo de meninice
ninguém vinha me falar

na tristeza que tiver
de um jeito sem jeito
numa vontade de morrer
na manhã dos dias inseguros
lá, sou amigo dos Rios
tenho a felicidade que quero
lavo minha alma no Tocantins
                                    no Itacaiúnas

vou-me embora pra Marabá!

 

 

Recolhamos, unidos, mãos dadas
num súbito momento, a ausência.

Insana, a noite vai além,
repentina, vem em forma de dia,
nos abraçar e contar os seus segredos árduos.

Revoltados, sem bandeiras de protestos
somos o vazio, abissalmente iludidos.

 

para a minha mamãe Maria Barbosa

 

Airton Souza
souzamaraba@gmail.com